Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

SAUDADE DO QUE NÃO VIVI

OU QUANTO DÓI UMA SAUDADE

A nossa vida é como um livro de história, que vai sendo escrito, pouco a pouco. Sei que isso é clichê e tal, mas acredito mesmo nisso. As coisas vão acontecendo e se juntando às outras, formando a história de nossa vida.

Cada momento, cada acontecimento, é parte de um determinado capítulo que pode se encerrar em um instante ou se arrastar por toda a vida.

E a nossa história, é claro, vai se entrelaçando com outras histórias, em primeiro lugar com as de nossos pais e familiares e depois, se expande, com a entrada dos amigos, dos amigos dos amigos,dos vizinhos, dos namorados e namoradas, das famílias deles e de tantas outras histórias, alegres ou tristes.

Ontem, encerrou-se, mais um capítulo da minha vida. Morreu uma pessoa que teve muita importância em minha história, embora já não nos víssemos há algum tempo.

Ele e meu pai se conheceram ainda crianças. Por isso, era como se fosse um tio de verdade. Cresceram juntos e, as namoradas se deram tão bem que passaram a formar uma pequena família, sem laços sanguíneos, mas afetivos, muito fortes.

Noivaram, casaram, tiveram a primeira leva de filhos, viviam sempre tão próximos, tão juntos, que eram praticamente como se fossem realmente irmãos.

Entre sete e cinco anos depois, lá chegava a segunda leva de filhos. Igual à primeira, dos meus pais, uma menina, do lado deles, uma menina e um menino.

Crescemos assim, eu, minha irmã e meus quatro primos-irmãos, como uma só família. Todos os sábados, saiam os quatro para passear. O Veleiro e o Barril foram, por muito tempo, seus locais preferidos. E às vezes ia a cambada toda, na maior farra. Como nos divertíamos. Ainda sinto o sabor da melhor coxinha que já comi em minha vida: a do Barril.

Não há um momento sequer de minha vida, até meados da década de 80, que eles não tenham feito parte. Não havia feriado que não passasse com eles. Íamos para hotéis em Fazenda Nova, Garanhuns, ou para casas alugadas em praias como São José da Coroa Grande.

Quando o carnaval chegava, se não fôssemos passar fora, eu e minha irmã nos mudávamos para a casa deles. Às vezes, até meus pais iam também. Brincávamos nas manhãs de sol para as famílias recifenses e à noite nos esbaldávamos no corso. Como eu adorava o corso. Como eu amava chegar em casa toda melada de talco, maisena, café e, todos famintos, esperar pela famosa macarronada de meu primo mais velho: a macarronada da meia-noite. Que delícia!

Tive uma infância muito feliz, ao lado dessa dupla família, que nos levava aos passeios mais incríveis como, por exemplo, sair de Recife para almoçar em um restaurante a 90 km de distância ou ir andar a cavalo em Fazenda Nova e voltar no mesmo dia. Nos tempos da minha infância ainda não havia chegado a crise do Petróleo. Imagino que alguns estão fazendo as contas tentando adivinhar a minha idade.

Havia os passeios de domingo pela manhã ao monte dos Guararapes, onde a gente subia nas árvores e chupava rolete de cana. E pitomba, é claro, quando estava na época. Respirávamos brincadeira e história. E ainda, de quebra, tínhamos direito a uma vista maravilhosa.

Ah! Não posso esquecer os divertidos piqueniques que fazíamos em Itapuama, à época uma praia semi-deserta, com ondas assustadoras. E depois, a travessia das pedras e o banho nas tranquilas águas de uma prainha linda que, só anos depois, descobri que se chama Pedra do Xaréu.

Não convivi muito com a família de meu pai. Portanto, não tive muito contato com os primos de sangue do lado de lá. E, em relação à família da minha mãe, apenas um tia, minha madrinha muito querida e sua única filha, eram os parentes de sangue com quem convivíamos frequentemente e que realmente posso chamar de família. Com esta prima, tínhamos e temos, até hoje, uma relação de irmãs. Seus filhos eram os meus xodós na infância e adolescência. Minhas pequenas e queridas companhias. Hoje, adultos e com filhos, continuamos unidos.

Bem, voltando à outra família, fomos crescendo, os meus primos mais velhos casaram, chegaram os filhotes. Como curti esses priminhos. Quando o primeiro nasceu, como eu trabalhava e estudava a semana toda, todos os sábados eu pegava o ônibus e ia para a casa da minha prima, cuidar do meu priminho. Ele carregou as alianças no meu casamento. Fofíssimo. A irmãzinha dele seria daminha. Até ensaiou. Mas, com apenas dois aninhos, na hora de entrar, se assustou com o fotógrafo e desistiu.

E daí foi a vez da segunda leva casar. Primeiro eu e depois os meus primos. Esqueci de falar nas noites de natal. Eram animadas, sempre com novas crianças nascendo e alegrando a noite. O natal era comemorado em casa de meus pais. E o ano novo, em casa de meus tios, junto com a comemoração do aniversário de meu primo. Um primo que podia não ser de sangue, mas que era mais que isso, era o irmão que eu não tinha, o amigo e confidente. Tínhamos uma amizade tão grande que as pessoas até pensavam que um dia a gente ia se casar. Mas não. Era puro sentimento fraterno. Sempre.

Tive a alegria de ter duas tias incríveis: a minha madrinha, irmã da minha mãe e a tia do coração. Éramos uma pequena família, alegre e unida.

Mas o tempo passou, as coisas foram mudando e, em determinado momento de nossa história, o elo se partiu. Não gosto nem de lembrar quando e como isso aconteceu. Foi banal, foi desnecessário, mas, infelizmente, aconteceu.

Às vezes, as coisas acontecem mesmo assim. Uma pequena fagulha inicia um grande incêndio. Um trincado minúsculo e toda a estrutura de vidro explode em perigosos fragmentos.

E aquela família que eu tanto amava, que já existia antes mesmo de eu nascer, a minha família do coração se desfez em duas partes. Ficamos separados por tão pouco. Passei anos de minha vida chorando a cada aniversário de algum dos meus primos ou dos meus tios. Foi uma recuperação muito difícil. Arrastou-se por anos. Quando nos encontrávamos era sempre tão difícil. Mas o tempo foi passando, e a dor foi se acomodando, querendo cicatrizar, sem muito sucesso. Na verdade, se transformou em uma cicatriz dolorida, que , embora não sangre, está ali, viva, nos lembrando do tamanho da ferida.

Hoje, passados mais de 25 anos, já não existe nenhum vestígio do que fomos, não participamos das vidas uns dos outros. Alguns já não estão mais entre nós. De minha pequena família já partiram meu pai, a minha madrinha e o marido de minha prima. Por outro lado, a família aumentou um pouco com a chegada da esposa de meu primo e de seus dois filhinhos e do marido da minha prima e de sua filhota. e a minha família também cresceu pois, apesar de das minhas três filhas, as duas mais velhas morarem longe, a chegada dos dois genros aumentou a família, ainda que de longe. Somos uma família transcontinental e internacional,

E do lado da minha família do coração, só a minha tia já partiu. Isso até sexta-feira quando, no trabalho, recebi a notícia de que seu marido já não estava mais entre nós. Fazia tempo que eu não o via. Na quarta-feira, de repente, sem nenhuma razão, eu me lembrei dele e me perguntei como ele estaria, se estaria bem e qual seria a idade dele agora. Três dias depois, voltei a vê-lo, só que no velório. Teria ele pensado em mim por algum momento e eu teria sentido isso? Nunca vou saber.

E ontem, durante o velório, falando com meus primos que eu não via há tanto tempo, olhando seus filhos grandes, homens e mulheres, uns casados, com filhos, senti uma saudade enorme, saudade de um tempo que não vivi, que me foi roubado por circunstâncias que poderiam ter sido evitadas... quem sabe?

O bebê que eu atravessa a cidade nas manhãs de sábado para curtir, para cuidar, agora segura seu próprio bebê em seus braços. Um lindo garoto de olhos vivos que nunca me viu e talvez nunca vá saber que eu era louca por seu pai, que eu passava muitas tardes de domingo, junto com meu marido, à época namorado, cuidando dele para a minha prima descansar. Quantas não foram as gofadas dadas nas camisas dele ... lembradas até hoje ...

Olhava para eles, os filhos dos meus primos, sentindo uma tristeza imensa por ter deixado de fazer parte de suas vidas.

Enquanto olhava, de longe, o corpo de meu tio, a serenidade que sua fisionomia passava, relembrava os pratos de banana amassada que ele levava pra gente lanchar, dentro do mar, porque não podíamos perder nenhum minuto saindo para comer fora da água.

Lembrei dos carnavais cheios de animação que passávamos todos juntos, dos passeios, das noites de natal, das caixas de sorvete compradas na fri-sabor para a sobremesa dos almoços do domingo, do doce-de-leite fetio com leite condensado cozido na lata, do tri-campeonato que assistimos todos juntos. Como poderei esquecer da viagem dos quinze anos meu e de meus primos – somos os três do mesmo glorioso ano de 1955. Fomos de carro para a Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, sendo a volta pelo sertão, para visitar a minha prima, o marido e meus dois priminhos, os de sangue.

Foi uma viagem inesquecível, com direito ao carro quebrar a cada vez que subia uma ladeira, mas extremamente gostosa e divertida. Meu pai dirigia e minha mãe, minha tia, eu e meus dois primos só curtíamos a estrada. Meu tio se encontrou com a gente só depois, em São Paulo.

Das minhas três filhas, só a mais velha ainda conviveu com toda a família unida. As outras duas já nasceram quando seguíamos rumos diferentes. Como lamento tudo isso. Como lamento estes anos em que perdemos de conviver uns com os outros. Mas, passado não se muda. Não dá pra voltar atrás. Por mais que a gente lamente.

Fico aqui com a minha saudade. Com esta saudade danada que arrebenta o meu peito. A saudade de tudo de bom que passamos juntos e a saudade de tudo que perdemos uns dos outros.

Aos que se foram a minha saudade e a gratidão por ter podido conviver com eles. E para a minha eterna família do coração todo o meu carinho e amor.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

QUANDO OS SONHOS NOS INSPIRAM

Ao ler o texto de Frei Betto postado hoje no blog do Jornal O Porta-Voz, OS SONHOS DE KLEPLER, senti uma identificação enorme com o que ele escreveu sobre o ritmo de vida no século XXI.

Identificação em relação ao sentimento dele de que vivemos uma realidade cruel e controversa. Afinal, o homem desenvolveu tanto a tecnologia e, mesmo assim, continua sempre com pressa.

Sinceramente, sinto um certa “santa” inveja de pessoas que moram em cidades pequenas, que percorrem as ruas da cidade a pé, sem pressa, cumprimentando todos no caminho.

Às vezes me imagino assim: morando em uma pequena cidade do interior, mas não muito longe de uma cidade grande, onde pudesse fazer as compras necessárias para uma vida prática e tranqüila.

É claro que jamais abriria mão da internet, do computador e do celular, pois estar conectada com o mundo é, para mim, um dos privilégios de se viver na era da tecnologia.

Será que é sonhar alto demais viver com tranqüilidade sem abrir mão da informática e suas delícias? Creio que não.

Por que então não poder viver assim, numa cidade tranqüila, onde as pessoas se respeitem, não usem sons altos, não se xinguem no trânsito, não se estranhem nas filas?

Nesta minha, digamos, utopia, não haveria engarrafamentos. Porque só usaríamos carro para ir a outras cidades. Os percursos internos, seriam feitos a pé ou talvez de bicicleta.

Poderíamos deixar sempre as janelas abertas, porque ninguém invadiria a casa de ninguém. Minha casa teria um pequeno jardim, cheio de flores coloridas e um pequeno quintal, onde, embaixo de alguma mangueira (espada é claro) bem frondosa, estariam espreguiçadeiras nos esperando para lermos algum livro ou apenas conversarmos e curtimos a brisa fresca da tarde.

A TV a cabo e a internet nos ligariam ao restante do mundo e, as agruras de uma cidade grande seria para nós apenas notícias.

Como me identifico com os sonhos de Kepler, descritos por frei Betto em seu texto: “a vida campestre, a roda de amigos, o coro de anjos numa igreja e a melodia das estrelas”. Ao sonho dele acrescentaria o aconchego da família. Porque sem ele, nada vale a pena.

Poderia haver uma vida mais feliz? Uma simpática cidade, a família junto da gente, amigos daqueles companheiros de todas as horas, o coro dos anjos e a melodia das estrelas. Quem precisa mais do que isso para viver?

sábado, 12 de fevereiro de 2011

LEI DE GÉRSON

Como se a esperteza já não fizesse da natureza humana, algumas empresas resolveram, através da publicidade, dar uma “mãozinha” em suas campanhas, incentivando o mau-caratismo.


Tudo começou há pelo menos três décadas, quando uma marca de cigarro que realmente não lembro o nome, criou a famosa “Lei de Gérson”, onde o ex-jogador tricampeão, portanto idolatrado pelo país, sentado em uma cadeira, fumava o tal cigarro porque gostava de levar vantagem em tudo. A partir daí, a nova lei ganhou a estrada e se espalhou feito praga pelo país. A partir de então, a “Lei de Gérson” passou ser sinônimo de se dar bem, de saber tirar proveito em cima dos outros, como furar filas, por exemplo. Quem não levava vantagem, passou a ser um otário, numa inversão de valores vergonhosa.

Não que tenha sido Gérson ou sua lei que tenham levado as pessoas a serem aproveitadoras. Mas a “institucionalização” da lei, tirou o aproveitador da condição de criticado para se tornar um praticamente um herói.

Esse comportamento duvidoso, mas aclamado, tem feito parte “honrosa” em nossa cultura. Tanto que coisas como o pagamento de propinas quando se é multado é tão natural quanto se enganar quem nos presta serviço, pagando um salário indecente. As pessoas se vangloriam de inventarem deficiências para estacionarem nas vagas especiais, de sonegarem impostos, de pagarem para alguém fazer seus trabalhos escolares, de nunca terem sido pegos filando em provas, de terem comprado algo muito abaixo do preço porque quem vendeu estava com a corda no pescoço... enfim, ser honesto passou a ser coisa de imbecil.

Há alguns anos, uma indústria de automóveis usou crianças fazendo prova para mostrar as vantagens de ser abertos. As indústrias concorrentes eram representadas por crianças que não davam fila aos colegas. E a deles, ao dar fila, estaria se abrindo ao mercado. Que belo exemplo não? Fiquei tão chocada quando assisti pela primeira vez ao comercial, que achei não ter entendido realmente a mensagem. Para minha desilusão, era exatamente o que não quis acreditar: uma apologia à lei do menor esforço. Pra que estudar, se você pode se dar bem filando? Mas uma vez, não lembro o nome do produto. Fico tão indignada que não armazeno essas informações.

E, no dia seguinte, assistindo ao noticiário, praticamente entrei em choque ao assistir a mais um comercial reverenciando a desonestidade: um cara recebe uma encomenda para o vizinho: uma TV de plasma. Ele resolve abrir para ver se está inteira e daí se apossa da televisão. É claro que passam todas as vantagens sociais que ele tem a partir da tal TV. Daí, toca a campanhia e o vizinho pergunta: você não recebeu uma encomenda pra mim há alguns dias?

Não pude acreditar no que vi! Como promover um produto incentivando a esse tipo de atitude? A TV é tão boa que justifica o fato de se apossar dela?

Então eu me pergunto: existe diferença entre um sem teto invadir uma casa vazia para se abrigar, um sem terra invadir uma área improdutiva para tentar sobreviver e um vizinho se apossar da TV do outro porque ela é “o bicho”? Existe, é claro! O sem teto e o sem terra é pobre, não tem nenhuma perspectiva na vida e se apossar de algo que não lhe pertence é uma tentativa desesperada de conseguir ter uma vida menos ruim.

Vivendo em um país que está em franco desenvolvimento econômico e tecnológico, com um governo que, entrando em seu nono ano, trabalha para promover a inclusão social, já está na hora de começarmos a pensar em promover também a educação doméstica, o respeito aos outros e, acima de tudo, extirpar, de uma vez por todas de nossa cultura, essa maldita lei de Gérson.