Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O TEMPO

Deixo aqui um belo poema de CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE como mensagem para o novo ano.

"Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um individuo genial.

Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.

Para você, desejo o sonho realizado,
o amor esperado,
a esperança renovada.

Para você, desejo todas as cores desta vida,
todas as alegrias que puder sorrir,
todas as músicas que puder emocionar.

Para você, neste novo ano,
desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
que sua família seja mais unida,
que sua vida seja mais bem vivida.

Gostaria de lhe desejar tantas coisas...
Mas nada seria suficiente...

Então desejo apenas que você tenha muitos desejos,
desejos grandes.

E que eles possam mover você a cada minuto
ao rumo da sua felicidade."


Feliz 2017

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O DIA EM QUE DOM PAULO FOI SEQUESTRADO


O ano era 1999. Tempos difíceis para a arquidiocese de Olinda e Recife que, depois de 21 anos tendo como arcebispo e pastor Dom Helder Camara, estava, há 15, tendo um arcebispo totalmente oposto, que não aprendeu a ser pastor e muito menos a ouvir as suas ovelhas.

Enquanto falávamos sobre a morte de Dom Paulo, Sérgio me lembrou de um fato que eu meio que havia apagado da memória e que aflorou quando ele mencionou o "sequestro de Dom Paulo" 

Com a morte de Dom Helder no dia 27 de agosto, foi criada toda uma polêmica sobre as celebrações das missas de sétimo e trigésimo dia.

Sem consultar ninguém Dom José convidou Dom Eugênio Sales para celebrar a missa de sétimo dia, em uma prova de que não tinha a menor noção do que estava fazendo, uma vez que Dom Eugênio, por ser de uma linha totalmente oposta a Dom Helder, não era, nem de longe, uma opção sensata.

Temendo que para o trigésimo dia também fosse convidado alguém sem a menor identificação com Dom Helder, um grupo se reuniu e convidou Dom Paulo Evaristo Arns para vir celebrar o trigésimo dia da partida do Dom.

Dom José Cardoso engoliu a escolha, não muito satisfeito. A ideia era pegar dom Paulo no aeroporto, levá-lo para a Sé de Olinda para a celebração e depois acompanha-lo à casa de Lucinha Moreira, onde uma gostosa sopa aguardava a todos.

Acontece que dom José resolveu que deveria levar Dom Paulo para jantar com ele. E, ciente disse, um grupo formado por alguns membros do Jornal Igreja Nova armou uma estratégia para que Dom José não se apossasse de Dom Paulo. Logo que acabou a celebração um dos membros do Igreja Nova foi pegar o carro para trazer para a porta da Sé, enquanto outros quatro iam até a sacristia para escoltar Dom Paulo até a saída.

Estava quase dando tudo certo quando, a poucos metros do carro, já de portas abertas, aguardando Dom Paulo, dom José surge ao lado dele e segurando o seu braço insiste para ele o acompanhe. Dom Paulo explica que já havia assumido um compromisso anterior com um outro grupo e que não poderia cancelar. E Dom José, nervoso, olho piscando e boca trêmula não soltava o braço de Dom Paulo, insistindo que ele deveria acompanhá-lo.

Vendo a iminência de Dom Paulo ser desviado do encontro combinado por um Dom José irredutível, com a mão grudada no braço do cardeal, o pessoal resolveu soltar Dom Paulo e levá-lo para o carro, mesmo sob o protesto de Dom José. Alguém chegou a dizer ao arcebispo de Olinda e Recife que depois levariam Dom Paulo Para se encontrar com ele e, arrancando, com delicada firmeza, a mão de Dom José do braço de Dom Paulo, o escoltaram, na maior pressa até o carro e saíram dali a toda.

Depois do susto e da agonia, ficamos pensando no que teria acontecido se Dom José não tivesse soltado o braço de Dom Paulo de jeito nenhum. E seguimos em frente para a deliciosa sopa que nos aguardava e para uma noite privilegiada, conversando com Dom Paulo.


Sim, eu estava no meio dessa empreitada e sim, eu forcei Dom José a soltar Dom Paulo, tirando a mão dele de seu braço. E aí talvez você pense que éramos loucos ao fazer esse pseudo – sequestro, que, na verdade, não foi propriamente um sequestro já que Dom Paulo já havia combinado conosco a programação após a celebração e estava indo de bom grado. Na verdade, pensando bem, foi mesmo um resgate.


Não, não éramos loucos. Éramos um grupo de pessoas que lutava para que a arquidiocese de Olinda e Recife voltasse a ter um pastor.
E talvez você se pergunte: será que ela não se arrependeu do que fez? Jamais me arrependi. E nem acho que ninguém que participou do “sequestro” tenha se arrependido. Foi a primeira e única vez que vi Dom Paulo pessoalmente e acho que para quase todos ali presentes foi assim também.  

Então cada momento de tensão e sufoco foi recompensado por passar uma noite bebendo na fonte as sabedoria de um profeta.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

QUANDO UMA TRAGÉDIA É MAIOR QUE A OUTRA?


Não assisto à programação regular das TVs, nem aberta, nem fechada. Não gosto realmente dos noticiários da mídia tradicional. Acompanho as noticias pela internet, escolhendo o que quero ou não quero ler. Quero preservar esse direito. Isso, algumas vezes, me deixa desatualizada por um tempinho, pois só me inteiro do que acontece no mundo quando ligo o computador, pela manhã. A não ser quando a notícia já está nas mídias sociais, que, por questões profissionais, vejo logo que acordo.

E ontem fui surpreendida, no instagran, por algumas pessoas postando a bandeira de um time de futebol sobre o qual eu nunca tinha ouvido falar. Na verdade, gosto tanto de futebol quando de televisão. Ou seja, zero. Então eu não conhecer um time de futebol não é novidade. Mas, enfim, acabei descobrindo o motivo das postagens logo depois. E, desde então, percebo que na mídia não se fala em outra coisa. O que é também muito comum pois a mídia espreme das tragédias até a última gota de sangue.

Um time internacional ofereceu jogadores para ajudar o chapecoense a se reestruturar, o time que ia jogar com ele pediu para cancelar a final e declarar o time de Santa Catarina o campeão. A torre Eiffel se iluminou de verde, analistas do mundo todo dão sua opinião sobre o acidente e muitas e muitas notícias continuam rolando por aí. Em nível mundial.

Foi uma tragédia? Claro que foi. De Grandes proporções? Claro que sim. Mas foi uma tragédia porque morreram mais de setenta pessoas. Foi uma tragédia porque morreram pessoas que eram pais, mães, irmãos, irmãs, filhos, filhas, sobrinhos, sobrinhas, netos, netas, primos, primas ou amigos ou amigas de alguém. Não importa se jogavam futebol, vendiam sapatos, davam aulas ou viviam de renda. Morreram pessoas, ponto. Tudo indica que foi por aquela economiazinha desprezível que os empresários fazem para aumentar os lucros e que já derrubaram prédios, viadutos e aviões. Aquela economia que estica o prazo da manutenção ou que encolhe a quantidade de combustível a ser usada no voo.

A tragédia se torna maior por saber que se o avião tivesse tido permissão para pousar um pouco antes ou se a quantidade de combustível fosse um pouco maior, todas aquelas pessoas estariam vivas hoje.

Diante de todos os comentários de lamentações pelo time que se desfez, pela dificuldade que o clube vai ter em reorganizar o time e coisas afins, eu me pergunto: alguém vai oferecer um pai para emprestar a alguma família? Alguém tem um filho que possa ficar temporariamente no lugar de um que morreu no acidente? Alguma noiva, esposa, namorada vai querer um companheiro temporário para aplacar a sua dor? NÃO. Porque ninguém pode ser substituído na dor de uma perda, na tristeza de uma saudade que nunca mais vai acabar.

Quando soube da tragédia o meu primeiro pensamento foi: como estarão agora as famílias dessas pessoas? Porque isso é o que verdadeiramente importa.

Daqui a algum tempo o Chapecoense terá contratado novos jogadores, receberá um ou outro emprestado e voltará aos treinos. Provavelmente nos primeiros jogos entrará de luto, prestará homenagem aos que se foram e, depois, tudo se resumirá a uma homenagem em alguma estante ou parede do clube.

Mas e as famílias que perderam seus entes queridos? Por toda a sua vida sentirão a dor da perda e da saudade.

Então por que não deixamos de lado o fato de terem morrido jogadores de futebol e, em lugar de “sermos todos chapecoenses” não podemos ser todos solidários com as famílias que sofreram perdas tão duras e lamentarmos a morte de todos os que estavam naquele avião e que, de maneira inesperada e violenta, tiveram interrompido o seu futuro?

Pode parecer novidade mas futebol não é tudo na vida. E sim, existe vida inteligente além do futebol. Na verdade, posso até dizer que existe vida inteligente, apesar do futebol.