Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

SERÁ QUE ERA VERDADE?


por Rejane Menezes 

Quando eu era pequena ouvia muito uma história sobre os perigos e a força da mentira. Contava a história que, em uma pequena cidade do interior, nada acontecia de novo, até a inauguração de um cinema. Foi uma alvoroço só. Todo mundo mandando fazer roupa nova para a grande inauguração. E, como era de se esperar, o cinema superlotou logo e muita gente ficou de fora. O barbeiro, devido ao grande número de fregueses naquele dia, quando chegou à porta do cinema, não lhe deixaram mais entrar. Homem muito conversador e contador de histórias e divulgador das novidades, não se conformou em ficar de fora de um tão grande acontecimento em sua cidade.

Matutou um pouco sobre o que faria quando, de repente, teve uma ideia. Chegou junto do constrangido porteiro que impediu a sua entrada e comentou: o amigo viu a baleia que colocaram no tanque da praça?

Ao que, abismado, respondeu o rapaz que não tinha visto. Talvez tivesse passado por lá muito cedo. Depois, animado, pediu detalhes. O barbeiro descreveu tão entusiasticamente a baleia da praça que chamou a atenção dos dois lanterninhas e da moça da bilheteria.

Logo o zum zum zum foi entrando pela sala de cinema e as pessoas que se amontoavam na sala de projeção foram ficando curiosas e saindo para perguntar o que estava acontecendo. Ao saberem da baleia da praça, iam correndo até lá para ver de perto a novidade. E a notícia foi se espalhando pela sala.

O barbeiro, atingido o seu intento, se esquivou, discretamente e foi procurar um lugar para se sentar e apreciar o filme.

Mas as pessoas não paravam de se levantar e ir para fora, não retornando mais aos seu lugares. Embevecido com a maravilha que era o filme, o barbeiro se envolveu de tal forma que, quando se deu conta, a tela ficou escura, as luzes acenderam e não havia mais ninguém na sala além dele.

Indignado levantou correndo e esbarrou no funcionário que operava o projetor de filmes e perguntou o que aconteceu. Por que o filme foi interrompido? Não vai voltar a exibir o filme?

O funcionário respondeu que não teria mais filme por aquele dia. A inauguração do cinema tinha sido suspensa pelo dono, por falta de expectadores. E apressado ainda gritou para um boquiaberto babeiro: estou indo ver a baleia e seus filhote, que estão no tanque da praça. Todos já foram. Você não vem?

O barbeiro coçou a cabeça, franziu a testa e ainda mais intrigado se perguntou: rapaz, será que havia mesmo uma baleia no tanque da praça e eu não vi? E com um filhote? E, sem pensar duas vezes, correu atrás da multidão para não deixar de ver a baleia.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

TEM QUE SER AGORA?


por Rejane Menezes

Esta semana estávamos conversando sobre a inovação do WhatsApp que, a partir da nova atualização, as pessoas vão saber se suas mensagens já foram ou não visualizadas. Claro que isso gerou uma polêmica generalizada sobre ser um absurdo, invasão de privacidade e outros senões.
E, quando disse que isso não me afeta, estava sendo sincera. Porque realmente não me incomoda o fato da pessoa ter lido e não ter respondido e, muito menos o contrário, a pessoa ver que li e não respondi. Porque, na verdade, apesar de ser altamente ligada às inovações da tecnologia, ser uma admiradora incondicional do progresso dos equipamentos e ferramentas que cada vez mais nos conectam ao mundo todo, não acho que o fato de ter lido uma mensagem que não encerre nenhuma urgência, me obrigue a parar tudo para respondê-la.

E daí se a pessoa viu que eu já li? Minha gente houve um tempo em que nem telefone existia e as pessoas sobreviveram à espera por respostas que demoravam meses.
Com o advento do telefone, a comunicação ficou mais fácil, é verdade. Mas antes de telefonemas interestaduais e internacionais, o telegrama era a forma mais rápida de comunicação. E todo mundo sobreviveu a isso.
Moramos em Natal, por três anos e, por opção de sossego, não tínhamos telefone em casa. Para emergências, a família tinha o número da vizinha.
Hoje, se ligamos para alguém e celular não atende, já ficamos aflitos ou com raiva. Se enviamos um WhatsApp e a pessoa não responde, é falta de consideração. Se marcamos uma pessoa no Face e ela não curte ou comenta é descaso. Se enviamos um e-mail e ficamos sem resposta, é desatenção. E, se algum amigo não prefere os aparelhos de celular comuns e não tem WhatsApp, é um alienado.
 

De repente é como se a comunicação virtual nos controlasse e ditasse as regras do bom comportamento. Quando estou dirigindo, não atendo o celular de jeito nenhum. Nem com fone de ouvido ou viva voz. Celular distrai e compromete a segurança. Já fui repreendida por chefes e colegas de trabalho. Não me importo. Privilegio a segurança. Ponto.
Minha gente não temos que obedecer a essas regras que levam a fazer loucuras, como digitar mensagem dirigindo, porque alguém quer uma resposta imediata. Já houve acidentes graves por isso.
O mundo não vai acabar se  desligarmos o celular por duas horas enquanto está no cinema.
Como já disse sou uma grande entusiasta da tecnologia e procuro aprender e adotar tudo que facilite a minha vida. Mas quero a tecnologia ao meu serviço, ao meu dispor e não o contrário, pois seria uma servidão sem nenhum propósito.
 

Portanto meus amigos, se enviarem uma mensagem por MSM, WhatsApp, Menseger, o que for e constatarem que li e não respondi, não comecem a imaginar os motivos. Quando eu não responder logo só existem duas respostas: ou estou ocupada e não posso responder naquele momento ou não respondi porque não quis. Em qualquer dos casos não há nada que você possa fazer a não ser esperar.
Vamos tomar um chazinho de camomila, um suquinho de maracujá e nos manter calmos. Para que a pressa?
Respondamos nossas mensagens quando pudermos, no momento mais adequado e deixemos de neura. A única e segura maneira de manter sua privacidade é ficar fora das redes. É como aquele velho ditado: “Ajoelhou, tem que rezar”. Ou ainda: “Caiu na rede, é peixe”.
Então, se gosta participar das redes, configure sua segurança e KEEP CALM. Porque privacidade... O que é mesmo?

 


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?


por Rejane Menezes 

Pois é, essa história do juiz que se ofendeu quando descobriu que não era Deus, dirigindo com carteira vencida e carro sem emplacamento, me lembrou os nada saudosos anos de chumbo, quando “carteirar” era a coisa mais comum. A frase, esnobe e pretenciosa “sabe com quem está falando” era usada com frequência, para desviar o foco do da coisa errada que estava fazendo e, daí, intimidar quem pegou o flagra.

Como os militares estavam infiltrados em todos os lugares, sempre tinha um para tirar o filho, o irmão, o amigo, o vizinho, do sufoco. Daí, ou o próprio miliar usava sua carteira para se safar ou livrar alguém ou então o alguém recorria a tal frase para mostrar que ou era alguma autoridade ou era próximo de quem era.

A agente em questão estava cumprindo o seu dever ao autuar uma pessoa que descumpria a lei. E, estava respeitando o artigo 5º da Constituição Brasileira que diz que “todos são iguais perante a lei”. E, por cumprir o seu dever vai ter que pagar R$ 5.000,00 ao juiz que estava descumprindo a lei de trânsito. Mas, enfim, corporativismo é o que mais vemos neste País, em detrimento do que é certo.

Bem, voltando aos anos de chumbo, lembrei de uma história que aconteceu comigo e minha irmã. Nós estávamos voltando de um enterro. Eu, ainda um tanto abalada, cometi um atropelamento. Aliás, o primeiro e único atropelamento em toda a minha vida.
SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?
 
Atropelei um balde. Isso mesmo: um balde. Como não sabia o que eu havia atropelado, parei imediatamente o carro e ia abrindo a porta para ver do que se tratava quando surgiu, ao meu lado, um soldado, balançando os braços e gritando, o que só depois consegui entender: “você destruiu uma propriedade do exército brasileiro”.  A princípio me assustei, achando que havia atropelado um companheiro dele. Só quando vi o balde, meio amassado, nas mãos deles, e ele apontando e gritando, foi que me dei conta de quem ou o quê eu havia atropelado.

Assustada com a fúria do rapaz, fechei a porta do carro e tentei ir embora. Afinal, com toda certeza, o alvo do meu atropelamento não ia precisar de socorro. E, imagino que o Detran não iria se deslocar para fazer a ocorrência, dada a identidade da vítima. Mas ele ficou grudado à janela, gritando que eu ia ter que pagar e outras coisas que já não me lembro.

Olhando ao redor, vendo esponja, sabão etc, entendi que o soldado estava lavando um carro. E, o tal do balde devia estar afastado do carro e, dada a sua pouca estatura, não me foi possível evitar o "pior".

 
Era um daqueles baldes de latão que se usava muito. Estava amassado, mas ainda servia. Quando vi que ela não ia largar a janela do carro e que não parava de gritar, eu respirei fundo, olhei bem nos olhos dele e “carteirei”. Pedi para ele fazer silêncio, bem abusada. Ele, surpreso, calou a boca. Então peguei um papel e uma caneta e solicitei o nome dele, a patente  e o local onde estava lotado. Ainda surpreso ele perguntou pra que. E eu falei, na maior tranquilidade, que era para fazer queixa ao coronel fulano de tal, de tal quartel, que, por acaso era o meu pai. Falei que meu pai gostaria muito de saber como eu havia sido tratada  por um provável subalterno dele.

E aí o feitiço virou contra o feiticeiro. Ele ficou pálido, começou a gaguejar, pediu desculpas, disse que não tinha sido nada, que o balde ainda servia, que eu podia ir embora, que estava tudo bem. Confesso que cheguei a ficar com um pouco de pena dele. Diante do pedido de desculpas, falei que ia deixar pra lá. Mas que ele tomasse cuidado. Da próxima vez meu pai iria saber. E não iria ficar feliz.

Liguei o carro e saí dali mais que depressa, antes que o nervosinho descobrisse que o tal coronel não existia. Ainda bem que naquela época não tinha celular.

Outro abuso de poder, frequente, na verdade, semanal, acontecia em uma rua na lateral de um quartel da polícia. Toda sexta-feira, a partir das sete da manhã, havia uma formação de oficiais na  frente de um edifício, no final da rua. Tinha também uma banda, que tocava por lá, não lembro se fazia parte da formação ou se era ensaio. E isso durava pelo menos uma hora. Bem, se fosse apenas o incômodolho do baru, já seria um absurdo. Mas, o problema maior é que a rua é sem saída e a formação dos oficiais ficava na frente da entrada e saída da garagem. Ou seja, era como a música de Luiz Gonzaga: ”Quem está fora não entra, quem está dentro não sai”.

Então, os moradores do prédio tinham que se organizar para sair de casa antes das sete, se quisessem chegar no horário em seus compromissos.  Isso durou muito e muito tempo. Qualquer compromisso que envolvesse sair ou entrar no prédio de carro, às sextas-feiras, tinha que ser antes das sete e depois das oito.
 
E ai de quem fosse fazer alguma reclamação sobre o assunto. Era capaz de sair de lá fichado. Ou, então, ser preso por desacato. Vá saber.

Para quem não lembra ou não viveu no famigerado tempo da ditadura, é bom saber que, o abuso de poder, a tal da “carteirada” era o seu lado mais ameno, porém, não menos invasivo e absurdo.