Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

sábado, 20 de junho de 2020

RETRATO DO ARTISTA QUANDO ADULTO


Homenagem a Chico Buarque em seus 76 anos!



por Frei Betto

Poesia em forma de pessoa, Chico Buarque encarna os requisitos da obra poética: emoção, economia de palavras, agudo senso estético. Dentro dele faz muito barulho. Mas quem o conhece sabe que ele é quase silêncio, disfarçado de tímido, como quem observa o mundo espantado com o milagre da vida.

       Entre amigos, o vozeirão grave atropela as sílabas, como se temesse a gagueira inexistente, e Chico fala de tudo e de todos, sem poupar irreverência. Entre estranhos, os olhos verdes brilham enigmáticos, luzeiros inefáveis, a boca tapa a fervura d’alma, o sorriso, entre maroto e contido, exibe as teclas de piano entre o sim e o não.

       Diante do olhar canibal dos fãs, Chico quase olha para trás, convencido de que não é com ele. Dane-se a cabeça idolatrada, mas ele se sabe de barro e sopro, exilado dessa imagem que a admiração alheia, avara, projeta na imaginação fantasiosa de quem, um dia, numa frase musical, viu-se arrebatado e identificado, no amor ou na dor, no sentimento indelével que o poeta captou, fraseou e cantou.
       Francisco Buarque de Hollanda teve o privilégio de fazer 20 anos nos anos de 1960. Seresteiro precoce, cercado de livros e cordas na rua Buri, em São Paulo, trocou a régua e o compasso, da Faculdade de Arquitetura, pela toada intimista da Bossa Nova, trazida ao lar pelo cunhado João Gilberto. Todavia, neste carioca branco de alma negra, o morro impregnou-se mais forte que a praia. Desconfio de que, no fundo, Chico lamenta não ter nascido na Estação Primeira de Mangueira, com todo o talento que Deus pôs nos pés e na magia dos brasileiros que fazem do futebol a arte de dançar em torno de uma bola.

       Em 1964, a ditadura ameaçou os padres dominicanos de expulsão do Brasil. Prejudicados pela conjuntura política, apelamos aos amigos. No teatro Paramount, em São Paulo, promovemos o espetáculo beneficente Avanço, no qual Chico Buarque, cantor de plateias estudantis, fez sua estreia para o grande público. Havia também uns baianos muito novos, o irmão de Bethânia do Carcará, um ex-bancário chamado Caetano, todo timidez, e um amigo dele, ex-funcionário da Gessy-Lever, um tal de Gilberto Gil…

       Nasciam ali os trovadores que iriam desencantar a ditadura, embora forçados ao exílio e submetidos à censura. Deram-se as mãos na Passeata dos 100 Mil, em torno da igreja da Candelária, no Rio e, mais tarde, Roda Viva, de Chico, comprovou que teatro é espelho. Mirem-se nas mulheres de Atenas. Rostos macabros não gostaram de se ver refletidos. Quebraram o espelho, assim como os algozes de Antonio Maria acreditavam que jornalistas escrevem com as mãos…

       Chico foi para a Europa, no autoexílio inevitável. Fez espetáculos em favor dos exilados e deu às suas letras um tom mais profético que romântico. Aqui é o seu lugar e, de retorno ao Brasil, ousou quebrar o cálice e fazer ouvir a sua voz, convencido de que amanhã será outro dia. Com Vinicius, foi para São Bernardo do Campo apoiar os metalúrgicos que, liderados por Luiz Inácio Lula da Silva, teimavam em sonhar um Brasil diferente.

       Filho de famílias que há 100 anos conspiram em favor da democracia, Chico não é um militante, desses que exibem carteirinha de partido e atestado de tendência ideológica. Nem “militonto”, que pula de palco em palco acreditando que, com o seu violão, vai salvar a pátria e acabar com a fome no Brasil. Mas é um cidadão da utopia, impregnado da virtude da indignação. Esteta, tem a medida das coisas. Nessa arenga nacional, conhece exatamente o seu canto e, quando faz noite, sua voz suave, de timbre acentuado e agudo, quase feminino, traduz paixões e feridas, rupturas e arroubos. Porque canta o que sentimos sem encontrarmos palavras, expressão agônica de nossos espíritos atordoados ou enamorados. E tece em letras os estorvos que impedem a vida de ser a arte de sonhar acordado.

       Chico é ele e suas mulheres – Silvia, Helena e Luiza, e as netas e os netos.  Ele é feito de detalhes – o que, aliás, importa em nossas vidas. Sua casa é um espaço democrático, onde candidatos, desde que progressistas, expõem suas ideias e acolhem críticas e sugestões dos artistas. Na Gávea, vi seu pai fazer 76 anos e cantar Sassaricando em latim.

       Para Chico, o tempo não passou na janela. Ele se fez geração. Na arte e no palco, transmuta-se em Carolina, numa dessas mulheres que só dizem sim, seresteiro, poeta e cantador, olhos nos olhos, ele se chama Mané e dobra a Carioca, sobe a Frei Caneca e se manda pra Tijuca na contramão. Nunca esteve à toa na vida e, cantando coisas de amor, alia-se à esperança dessa gente sofrida que quer despedir-se da dor.

       Larápio rastaquera, pai paulista, avô pernambucano, bisavô mineiro e tataravô baiano, ele gostaria de ser o mais exímio jogador de sinuca. Falso cantor, Chico é apenas um artista brasileiro.

       Saibam que poetas, como os cegos, podem ver na escuridão. Nessas tortuosas trilhas, sofre de pânico cênico, admira Fidel Castro e, viciado em futebol, jamais se “americanizou”. Quando no Rio, cidade submersa, os escafandristas e sábios decifrarem o eco de suas cantigas, amores serão sempre amáveis e cantores, duráveis. Porque a alma brasileira vai reter Chico para sempre.

       Se do barro o Criador fez alguém com tanto amor, foi Chico.

  Adquira os livros do autor a preço mais barato pelo site (www.freibetto.org) e receba-os em casa. 
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sexta-feira, 8 de maio de 2020

MUDANÇA DE ENDEREÇO

Olá pessoal

O blog Mistura de Letras está mudando de endereço e migrando para a plataforma WordPress. 

Vamos dar um tempinho, enquanto comunicamos a todo mundo a mudança e, por enquanto estaremos nos dois endereços, mas, em breve, ficaremos usando apenas o novo. 

Nosso novo endereço é:

www.misturadeletrasblog.wordpress.com.

Nos vemos por lá

quinta-feira, 26 de março de 2020

AMOR EM TEMPOS DE CORONA ????




Corona já foi sinônimo de “banho de alegria em tanta gente”. Também nos lembra o ator Lauro Corona, que morreu muito jovem, mas que marcou uma época. E, mais recentemente, virou  nome de cerveja.

A crise mundial provocada pelo Corona vírus é devastadora. Além de sua disseminação ser em progressão geométrica, ele traz uma consequência que vai além dos males físicos: a solidão.

O isolamento que se faz necessário, imprescindível, cortou, sabe-se lá por quanto tempo, as interações sociais, tão importantes na vida do ser humano.

E, por outro lado, força uma convivência mais frequente entre as famílias, pessoas que moram na mesma casa, mas que, por força dos horários de trabalho, escola, faculdade, estágios, atividades físicas e coisas afins, nunca se viram obrigados a estranha coisa que estão experimentando agora: conviver.
Para muitas famílias, nem nos finais de semana essa tal de convivência acontece. Mesmo onde têm crianças, a convivência nem sempre acontece de maneira frequente.

A rotina familiar mudou. Em lugar de saírem para trabalhar ou qualquer outra atividade e deixarem os filhos por conta de babás, tem muita gente chiando porque está sendo obrigada a dar atenção aos filhos e o que é pior: cuidar deles.

Imaginem as famílias onde os filhos são cuidados por enfermeiras ou babás desde que saem da maternidade, pais e mães que nunca trocaram uma fralda ou prepararam um leite, porque sempre tiveram babás em tempo integral?
Os problemas causados pelo isolamento são muitos e alguns, embora normais no dia a dia de qualquer pai ou mãe, podem ser o apocalipse para outros. Penso até que a solução para algumas famílias tenha sido proibir suas babás e domésticas de irem para suas casas e ficarem trabalhando, se não poderiam perder seus empregos.

Agora tem uma coisa que não tem nada a ver com o vírus: a hipocrisia. Acabei de assistir a um vídeo de uma pessoa, se dizendo médico há 30 anos e que estava muito preocupado com os pobres. E daí fala mal dos presidentes do senado e da câmara, do Congresso de uma maneira geral, e defende que tem que afrouxar o isolamento porque, se não, as pessoas pobres vão morrer de fome. Ninguém está pensando nelas insistindo nesse isolamento austero. Porque os ricos podem ir ao supermercado, comprar dois mil reais e ficar em casa, tranquilo, se precisar de hospital, vai a um particular. Mas os pobres estão presos em casa, com a comida acabando e vão fazer o que, quando a comida acabar e a mercearia da esquina não tiver mais nada também? E, a solução pra ele é afrouxar o isolamento, essas pessoas voltarem ao trabalho, evitar que a economia entre em crise e daí não morrerão de fome. E chega ao cinismo de dizer que podem até morrer alguns por causa da gripe. Mas morrerão muito mais de fome, se não afrouxar o isolamento e a economia não voltar a girar.

Não conheço a criatura que falou essas coisas absurdas, mas, se conhecesse, com certeza perguntaria a ele, que está tão preocupados com os pobres, por que não sugere que os ricos doem o correspondente a uma ou duas viagens anuais para instituições que estão ajudando os mais necessitados?

Por que esse médico tão preocupado com a fome do povo, não faz um apelo aos mais ricos para doarem o que gastam com seus uísques 50 anos, a gasolina do barco, do avião, para a compra de equipamentos hospitalares, produtos de higiene, por exemplo, para ajudar aos hospitais públicos?

Uma outra sugestão que esse médico poderia ter dado era que os donos das grandes empresas não cortassem os salários dos empregados. Que as pequenas empresas que, não tenham suporte para aguentar a crise, negociem com seus empregados, uma forma de pagar os salários, parcelados, uma parte agora, outra mais adiante. Que o governo ajude as pequenas e microempresas e não as grandes corporações.

É muito interessante ver que as pessoas sempre fazem sugestões para sacrificar os mais pobres. Nunca os mais ricos.

Ter o descaramento de, como médico, conhecendo todas as recomendações, recomendar o afrouxamento do isolamento, para movimentar e economia, é de uma crueldade tão grande que a gente não entende como uma pessoa que estudou para salvar vidas, propõe essa sentença de morte.

O mundo está assistindo, praticamente impotente, a um extermínio de uma parte da população, por um vírus microscópico, resistente e, para o qual, não existe vacina e os tratamentos são experimentais ou paliativos.

Li, recentemente, um excelente artigo de Fernanda Torres, “Ninguém sairá o mesmo dessa quarentena”

Em seu artigo ela comenta sobre o livro que leu, da historiadora Barbara Tuchman, sobre a calamidade no século XIV. E comenta sobre as procissões de penitentes em meio à peste negra, que dizimou dois terços da população europeia.

Segundo Fernanda a autora descreve o caos daquela época com realismo e minúcia desoladora. Os tementes que ainda estavam sadios, iam se somando às romarias, que saiam às ruas para pedir a Deus proteção contra a doença. Ficavam doentes durante o percurso e o final eram as covas rasas. Só depois que o número de mortos foi se multiplicando que os dirigentes religiosos, finalmente, suspenderam as missas, as procissões e as aglomerações.

Sete séculos depois a história se repete, não por parte da Igreja Católica que, pelo menos aqui no Brasil, está agindo de maneira lúcida e apoia as medidas tomadas pelos Estados. Mas por outras denominações religiosas que, preocupadas, como o governo federal, com a queda de suas finanças, insistem em manter os cultos e, criminosamente, dizem aos fiéis que ali os doentes se curam e os sãos não contraem doenças.

Mas não sejamos injustos. Várias empresas, em âmbito mundial e nacional, têm contribuído para a luta contra o Corona Vírus. Empresas de TV por assinatura liberam canais pagos, e-books são liberados gratuitamente, pessoas criam vídeos os mais diversos para ajudar a entreter as crianças, cursos on line ficam grátis por esse período, empresários se juntam para comprar equipamentos, outros suspendem a fabricação de bebidas para fabricar álcool 70% ou álcool em gel. O tal médico deveria citar isso em seu vídeo e apelar para que mais empresas tomem atitudes como essa.

Mas ele preferiu ficar ao lado de pessoas como o dono de uma famosa rede de restaurantes que chegou a dizer que 5 a 7 mil mortes não são nada diante do colapso da economia.

E, claro, que não poderia deixar de falar sobre a ação do  Armazém do Campo, o MST, a Arquidiocese de Olinda e Recife, e uma dezena de sindicatos, ONGs e outras instituições, que se juntaram para cuidar do pessoal em situação de rua, fornecendo café da manhã, jantar e banho. Além de, com ajuda das Mulheres de Brasília Teimosa e das Mulheres do polo têxtil do agreste, confeccionar máscaras de proteção para distribuir com o pessoal.

Ações assim precisam de nosso apoio, seja divulgando, seja indo para lá para ajudar na preparação das comidas (quem não está no grupo de risco) e na distribuição, seja contribuindo, financeiramente, para que continuem.

Claro que, se não somos milionários, mas o que pudermos contribuir, será importante.

Coloco abaixo as informações da conta, para contribuição.

Mesmo em casa, no isolamento, podemos contribuir para ajudar aos mais necessitados e também a movimentar a tal da economia, comprando via whatsapp no Armazém do Campo e nos pequenos empresários que estão entregando em domicílio.

Em casa, se protegendo e protegendo às outras pessoas, podemos continuar a não largar a mão de ninguém e a viver o amor, sempre, mesmo em tempos de Corona.





Entrem na página do Armazém do Campo, no Instagran e assistam ao vídeo do primeiro dia de entrega das marmitas às pessoas em situação de rua.

Clique aqui




quinta-feira, 21 de novembro de 2019

CRISTIANISMO E MARXISMO: QUEM INSPIROU QUEM?

Como já falei anteriormente esse espaço não é apenas para postar meus textos, mas, também para postar textos de outros e outras misturadores de letras com os quais eu me identifico e assinaria embaixo.

Vivemos tempos onde temos a impressão de que retrocedemos para o século passado, onde a caça às bruxas tinha como alvo o comunismo e seus adeptos.

Ao ler esse texto encontrei uma explicação sobre o que é Marxismo, de uma maneira clara e que gostaria muito que as pessoas que chamam a toda esquerda de comunista e consideram isso um xingamento, se dessem a oportunidade de ler.

Não sou comunista. Sou socialista. E sim pessoas, existe diferença, embora uma parte da população brasileira não saiba ou finja não saber.

Sou socialista porque acredito na distribuição de renda e na justiça social, porque acredito que todos e todas têm direito a uma vida digna, com um teto decente para morar, comida na mesa nas três refeições, saúde e educação pública de qualidade. 

Ser chamada de comunista não me ofende, apenas não sou, mas respeito profundamente quem o é, como respeito todos e todas  companheiros e companheiras que são da esquerda, porque defendem a justiça social.

Para os que se dizem cristãos e cristãs, só um lembrete: não há nada mais socialista do que o Novo Testamento. O Capital, de Karl Marx, foi publicado 1867 anos depois de Cristo. Pensem nisso.


“O MARXISMO NÃO É MAIS ÚTIL"

por Frei Betto

O papa Bento XVI tem razão: o marxismo não é mais útil. Sim, o marxismo conforme muitos na Igreja Católica o entendem: uma ideologia ateísta, que justificou os crimes de Stalin e as barbaridades da revolução cultural chinesa. Aceitar que o marxismo conforme a ótica de Ratzinger é o mesmo marxismo conforme a ótica de Marx seria como identificar catolicismo com Inquisição. Poder-se-ia dizer hoje: o catolicismo não é mais útil. Porque já não se justifica enviar mulheres tidas como bruxas à fogueira nem torturar suspeitos de heresia. Ora, felizmente o catolicismo não pode ser identificado com a Inquisição, nem com a pedofilia de padres e bispos.

Do mesmo modo, o marxismo não se confunde com os marxistas que o utilizaram para disseminar o medo, o terror, e sufocar a liberdade religiosa. Há que voltar a Marx para saber o que é marxismo; assim como há que retornar aos Evangelhos e a Jesus para saber o que é cristianismo, e a Francisco de Assis para saber o que é catolicismo.


Ao longo da história,

• em nome das mais belas palavras foram cometidos os mais horrendos crimes.
• Em nome da democracia, os EUA se apoderaram de Porto Rico e da base cubana de Guantánamo.
• Em nome do progresso, países da Europa Ocidental colonizaram povos africanos e deixaram ali um rastro de miséria.
• Em nome da liberdade, a rainha Vitória, do Reino Unido, promoveu na China a devastadora Guerra do Ópio.
• Em nome da paz, a Casa Branca cometeu o mais ousado e genocida ato terrorista de toda a história: as bombas atômicas sobre as populações de Hiroshima e Nagasaki.
• Em nome da liberdade, os EUA implantaram, em quase toda a América Latina, ditaduras sanguinárias ao longo de três décadas (1960-1980).

O marxismo é um método de análise da realidade. E, mais do que nunca, útil para se compreender a atual crise do capitalismo. O capitalismo, sim, já não é útil, pois

• promoveu a mais acentuada desigualdade social entre a população do mundo;
• apoderou-se de riquezas naturais de outros povos;
• desenvolveu sua face imperialista e monopolista;
• centrou o equilíbrio do mundo em arsenais nucleares; e
• disseminou a ideologia neoliberal, que reduz o ser humano a mero consumista submisso aos encantos da mercadoria.

Hoje, o capitalismo é hegemônico no mundo. E de 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta, 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, e 1,2 bilhão padecem fome crônica. O capitalismo fracassou para 2/3 da humanidade que não têm acesso a uma vida digna.

• Onde o cristianismo e o marxismo falam em solidariedade, o capitalismo introduziu a competição;
• onde o cristianismo e o marxismo falam em cooperação, o capitalismo introduziu a concorrência;
• onde o cristianismo e o marxismo falam em respeito à soberania dos povos, o capitalismo introduziu a globocolonização.

A religião não é um método de análise da realidade. O marxismo não é uma religião. A luz que a fé projeta sobre a realidade é, queira ou não o Vaticano, sempre mediatizada por uma ideologia. A ideologia neoliberal, que identifica capitalismo e democracia, hoje impera na consciência de muitos cristãos e os impede de perceber que o capitalismo é intrinsecamente perverso. A Igreja Católica, muitas vezes, é conivente com o capitalismo porque este a cobre de privilégios e lhe franqueia uma liberdade que é negada, pela pobreza, a milhões de seres humanos.

Ora, já está provado que o capitalismo não assegura um futuro digno para a humanidade. Bento XVI o admitiu ao afirmar que devemos buscar novos modelos. O marxismo, ao analisar as contradições e insuficiências do capitalismo, nos abre uma porta de esperança a uma sociedade que os católicos, na celebração eucarística, caracterizam como o mundo em que todos haverão de “partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano”. A isso Marx chamou de socialismo.

O arcebispo católico de Munique, Reinhard Marx lançou, em 2011, um livro intitulado O Capital – um legado a favor da humanidade. A capa contém as mesmas cores e fontes gráficas da primeira edição de O Capital, de Karl Marx, publicada em Hamburgo, em 1867. "Marx não está morto e é preciso levá-lo a sério", disse o prelado por ocasião do lançamento da obra. “Há que se confrontar com a obra de Karl Marx, que nos ajuda a entender as teorias da acumulação capitalista e o mercantilismo. Isso não significa deixar-se atrair pelas aberrações e atrocidades cometidas em seu nome no século 20″.

O autor do novo O Capital, nomeado cardeal por Bento XVI em novembro de 2010, qualifica de “sociais-éticos” os princípios defendidos em seu livro, critica o capitalismo neoliberal, qualifica a especulação de “selvagem” e “pecado”, e advoga que a economia precisa ser redesenhada segundo normas éticas de uma nova ordem econômica e política.” As regras do jogo devem ter qualidade ética. Nesse sentido, a doutrina social da Igreja é crítica frente ao capitalismo”, afirma o arcebispo.

O livro se inicia com uma carta de Reinhard Marx a Karl Marx, a quem chama de “querido homônimo”, falecido em 1883. Roga-lhe reconhecer agora seu equívoco quanto à inexistência de Deus. O que sugere, nas entrelinhas, que o autor do Manifesto Comunista se encontra entre os que, do outro lado da vida, desfrutam da visão beatífica de Deus.

*Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais

quarta-feira, 19 de junho de 2019

75 ANOS DE SABEDORIA E GENIALIDADE



Querido amigo Chico,

Ouso chamá-lo de amigo, pois, depois de 53 anos de convivência, ainda que totalmente à distância, ainda que nos tenhamos encontrado apenas três vezes na vida, a relação entre fã e ídolo tem essa peculiaridade, de nos dar uma aproximação, ainda que só do nosso lado.

Pra você a minha homenagem nos seus 75 anos de pura genialidade e sabedoria.

Acorda amor! Hoje não é dia de correr ou de pegar ladrão. Hoje é dia de festa. Festa para comemorar a vida de um brasileiro, tão brasileiro que, há mais de cinquenta anos, canta a beleza da cultura brasileira, a esperança de dias melhores e, sobretudo, o amor, por uma pátria às vezes ingrata, mas cujo canto da Sabiá é um convite à volta, para os que partiram e à luta, para os que têm esperança.

Hoje é o dia da graça, da caça e quem sabe, comece a deixar de ser o dia do caçador.

Correndo risco de ser clichê diria que quem está de parabéns hoje somos todos nós, pelo privilégio de ter, partilhada conosco, toda uma obra de mistura de letras, que se tornaram poesia, música, literatura e teatro.

Hoje é o dia dele! Hoje é dia de comemoração! Há 75 anos nascia FRANCISCO BUARQUE DE HOLLANDA.

Parabéns Chico, parabéns Brasil. Parabéns para todos nós.
Viva Chico Camões!!!


16 de julho de 1999. Casa de Dom Helder. Encontro dos Dons.

João Pessoa - PB - 18 de setembro de 2018.

GÊNIO SIM POR QUE NÃO OU ELE VINHA SEM MUITA CONVERSA - 21 ANOS DEPOIS



domingo, 26 de maio de 2019

GÊNIO SIM POR QUE NÃO OU ELE VINHA SEM MUITA CONVERSA - 21 ANOS DEPOIS




Ele compunha, tocava e cantava e falava de mar, de lua, de trem e de amores, perdidos, achados, amados enfim.

Seu olhar, claro como o dia, sorria tímido, como tímido era o sorriso que se esboçava em sua boca ávida por anunciar um novo dia chegando, querendo acreditar que ele iria raiar, só porque sua cantiga anunciou.

Foi assim que, lá pelos idos de 1966, assisti deslumbrada, no alto dos meus 11 anos, a um jovem meio sem jeito, encantar a todos que ouviam a banda passar.


 Olhos grudados na TV, tão em preto e branco quanto o retrato que o maestro soberano ajudaria a colecionar um pouco mais tarde, vi as imagens do Festival de Música Popular Brasileira invadir as casas e os corações dos brasileiros, que torciam por suas músicas preferidas, aprendiam as letras e cantavam, todos juntos, como um coro gigantesco ecoando Brasil afora, pra ver a banda passar, tocando coisas de amor.

Pedro Pedreiro esperava o trem, enquanto ninguém chegava do mar. Mas e Cristina, será que ela volta? Talvez fosse no nó de marinheiro de Nicanor que Carolina pensasse, com seus olhos tristes e por isso, não visse o tempo passar por sua janela, que bem poderia estar ao lado de Januária, pra onde o sol apontava.

Um tempo que foi construído tijolo por tijolo em um desenho mágico, esperando o carnaval chegar, mas, ao contrário do velho que deixou a vida sem bagagem, aquele moço de olhos vivos escreve a sua história e a história de seu tempo, cantando a vida, sendo cada música ela própria, uma história.

Um tempo que foi passando e o moço acompanhando, de dentro do bonde da história, porque este, ele nunca perdeu.

Exilado, sabia que voltaria para o seu lugar, para ouvir de novo a Sabiá. De lá, pediu perdão por uma omissão que nunca teve, sempre presente aos mais importantes momentos da luta pela redemocratização do país, denunciando, com graça e poesia, as mazelas de um povo cerceado, amordaçado, que sofria com a tortura, com a miséria, com o atraso.

Perseguido pela censura, dava asas à imaginação e, de uma forma ou de outra, conseguia burlar a pouca “inteligência” reinante à época da ditadura militar.

Político, cronista, amante, trovador, malandro, assim foram divididas as suas canções em uma coleção de cinco CDs, lançados há vários anos. Mas, nem de longe, esta coleção, ou esta classificação, fez jus ao talento, à criatividade, à poesia deste grande artista.

Algumas músicas de Chico são verdadeiras pérolas de simetria, de musicalidade, de conteúdo. O fato de ser filho de um historiador, com certeza contribuiu para que em suas letras, encontremos um pouco da cultura do povo brasileiro.

Chico escreveu valsa, samba, baião, frevo, opereta, música popular brasileira da melhor qualidade. Cantou o amor em "língua de criança", cantou para as irmãs, homenageou a família, os compositores e cantores e cantoras brasileiros, compôs versos que podem ser cantados de frente para trás, dispostos livremente, de acordo com a preferência de quem for cantar. Homenageou o operário da Construção. Homenageou, ao mesmo tempo em que denunciou, como vivem os menores abandonados, o adolescente levado ao crime, o emigrante nordestino e os moradores das ruas. Cantou ao amor eterno. E os sonhos? Alguém terá cantado com mais propriedade? Afinal de contas "sonhos, sonhos são".

Declarou em versos e música o amor à sua mulher e à filha que ia chegar. Cantou as filhas e o neto.

Fez versões, traduziu escreveu e peças musicais.

Misturando poesia e denúncia, amor e saudade, alegria e tristeza, Chico vem dando o seu recado, ao longo de todos esses anos de carreira. E olha que lá se vão cinco décadas. E teve dezenas de parceiros maravilhosos, maestros soberanos, poetinhas e muito mais.

Menestrel, trovador, romântico, contestador, subversivo, qualquer que seja o estilo, qualquer que seja o parceiro, qualquer que seja a fase, a obra de Chico é inigualável.

Mesmo que não lance discos com a frequência, que faça um show quase que por década, nada disso tem importância. Porque Chico não é um artista que precise ficar compondo freneticamente para não perder os fãs.

Chico não é para ser simplesmente ouvido ou cantado. É para ser apreciado e, por que não dizer, degustado?

As letras de Chico Buarque, são como um vinho de safra especial: têm que ser sorvidas com calma, saboreando cada palavra, deixando-se inebriar por elas, descobrindo o prazer que elas proporcionam ao ouvido e à alma... como o “sol que ensolarará a estrada dela, a lua alumiará o mar”, há que se deixar invadir.

Este é Chico: genial, talentoso, único e generoso, tão generoso que distribui com o mundo o seu talento.

Ah! E não é que eu já ia me esquecendo: Acorda amor, é o Julinho da Adelaide.
Mas isso, já uma outra história.

Esse texto, originalmente Gênio Sim Por que não? Foi escrito em 1998, como resposta ao então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, ao colocar em dúvida a genialidade de Chico.

Claro que FHC nunca leu o meu artigo. Naquela época não havia blogs e mídias sociais pra gente poder postar o que quisesse.

Onze anos depois, em outubro de 2009,  revisei e atualizei o artigo, troquei o nome, o outro havia perdido o sentido, e já na era dos blogs, postei no meu MISTURA DE LETRAS.

E hoje, dez anos depois, motivada pela alegria do prêmio Camões concedido a Chico pelo conjunto da Obra, lembrei desse artigo e, ao relê-lo, percebi que, antes do júri do prêmio Camões, eu já havia descoberto a genialidade de Chico. Mas eu não concedo prêmio nenhum. Então tudo que podia oferecer com o meu artigo era a minha admiração.

Relendo agora também percebi que deixei de fora o teatrólogo e o escritor, que tem peças incríveis e livros maravilhosos.

Duas décadas depois de escrito o meu artigo continua atual nos comentários e nas constatações. Faltou falar das criações mais recentes como a belíssima Tua Cantiga que, ao lado de Futuros Amantes e As Vitrines, entrou para o rol de minha preferida, com toda a sua poesia e encantamento. Como se fosse possível escolher preferidas entre as músicas de Chico. Mas essas três têm um encantamento especial e uma conexão que não dá para explicar. 
Como não se encantar com o vigia que, invisível, cata as poesias que vão sendo derramadas no chão? Ou com com o amor que ficará milênios no ar e que os sábios tentarão, em vão, decifrar?

Como não se emocionar com alguém tão apaixonado que seria capaz de chegar à sua amada apenas com o sopro do seu perfume?

Em tempos de tanta tristeza, desilusão e desesperança, onde ser brasileiro tem sido um constante passar vergonha, inclusive em âmbito internacional, ao ser agraciado com o prêmio de literatura mais importante da língua portuguesa, Chico Buarque nos deu um presente, o de termos outra vez motivo para nos orgulharmos de ser brasileiros.

E ainda em tempos em que justificam letras ou versões ruins dizendo que a língua portuguesa não é muito melodiosa, a gente sugere um estudo da obra musical de Chico, para as pessoas aprenderem que uma música romântica pode ter a palavra Escafandrista  sem perder a poesia, que um samba pode ter Paralelepípedo  sem perder o ritmo. Pode ter tatuagem no braço, o sangue pode errar de veia, podem até jogar ... pedra na Geny e tantas outras palavras que, com certeza, ninguém jamais ousou colocar em músicas (vide Tatuagem, Não Sonho Mais, entre outras) e, mesmo assim, fazer sentido, manter a harmonia e o ritmo.

Obrigada Francisco Buarque de Hollanda, por traduzir em letras Todos os Sentimentos que, ao longo da vida, invadem o nosso coração, a nossa alma, causando dor, sofrimento, amor e alegrias. Obrigada por nos dar esperança de que amanhã será outro dia, por nos ensinar a, de repente, não sentir a dor que a gente finge que sente e nos convidar para uma fantasia.

Obrigada por nos ensinar a cantar a esperança, a tirar o vestido da gaveta, cheirando a guardado de tanto esperar e a ir pra rua, gritar e despertar a cidade, mesmo nos dias em que a gente se sente como quem partiu o morreu.

Desde 1966 muita coisa aconteceu, no Brasil, no mundo e na vida de cada um, de cada uma, que queria ver a Banda passar.

Hoje uma terceira geração de minha família canta e curte a Banda. A filha embalada ao som de Valsinha, João e Maria também canta para as filhas as músicas da sua infância, que também iluminaram a infância da mãe e hoje, uma avó coruja, que cantava A Banda para elas, desde os primeiros dias de vida.

Incontáveis foram as vezes que já li Chapeuzinho Amarelo para a neta mais velha e me diverti com suas gargalhadas quando imito o lobo tentando assustar a menina que tinha medo de tudo.

Parabéns a você pelo prêmio e a todos nós que temos o privilégio de ouvir a sua música, assistir às suas peças e ler os seus livros.

E como amigo e compadre Frei Betto: "VIVA CHICO CAMÕES".


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

PORTARIA DOS CORREIOS 567/2011 FOI FEITA PARA QUE PAÍS MESMO?





Depois de morar há décadas no mesmo endereço e de toda a família ser compradora regular via internet e de, ao longo dos anos, ter recebido as compras sem nenhum problema, inclusive nos últimos dois meses, eis que me deparo com um fato inusitado: o carteiro veio por duas vezes fazer uma entrega e, por não encontrar o porteiro, não efetuou a entrega com a notificação de : Entrega não efetuada – carteiro não atendido.

O interessante dessa história é que eu estava em casa, junto ao interfone, aguardando que quem fosse trazer a encomenda fizesse como sempre aconteceu nas dezenas de entregas anteriores: apertar os botões do interfone, de maneira prática, rápida e fácil e eu ou alguém aqui de casa descer e pegar a encomenda. Aliás, só para ilustrar, na quarta-feira, quando o carteiro não foi atendido pela primeira vez, uma hora antes eu desci para pegar uma outra encomenda, justamente atendendo ao interfone.

Vendo a observação no site tentei entrar em contato com os correios e, para minha surpresa, fui informada de que o Centro de Entrega de Jaboatão não tem telefone e nem atende ao público. Como assim não atende ao público se é um centro de distribuição das coisas que o público comprou?

Em um outro telefone uma funcionária me informou que isso provavelmente aconteceu porque o carteiro não encontrou o porteiro. Claro que ele não podia encontrar um porteiro que meu prédio não tem. E o funcionário estava em hora de almoço. Mas do lado de fora, junto ao protão de entrada tem aquela caixinha mágica que falei lá em cima conhecida como interfone ou intercomunicador, com preferirem e que funciona perfeitamente.

A funcionária me falou de uma Portaria que regulamente entregas de encomendas e que, de acordo com ela, o carteiro não tem obrigação de interfonar para o destinatário. Oi? Como assim cara pálida?

O pessoal de casa ficou dizendo que a funcionária só podia ter feito piada comigo, que isso não era possível. Mas pasme, é possível.

Na sexta-feira vi no histórico que a encomenda havia saído de novo para entrega às 09h25 da manhã. Novamente fiz plantão junto ao interfone e, inocentemente, achei que o carteiro não viria no mesmo horário que da outra vez, entre 12h e 14h, já que ele sabia que não encontraria nenhum funcionário. E pensei que, caso ele viesse mesmo nesse horário, teria o bom sendo de interfonar. Porque jamais passou pela minha cabeça que interfonar não fosse uma opção.

Sempre de olho no site, de repente aparece novamente a anotação de entrega não efetuada – carteiro não atendido. Desci imediatamente, mas ele já havia ido embora. Só que, dessa vez, ele falou com o pessoal que está trabalhando aqui no prédio e que estava almoçando. Perguntou pelo porteiro (que não temos) e o pessoal respondeu que era de almoço. Ele falou que iria fazer outras entregas e que voltaria depois do horário de almoço. E, mais uma vez, não se deu ao ínfimo trabalho de interfonar para a parte interessada, a destinatária, que estava atenta, não estava em horário de almoço, aguardando para ser chamada para pegar sua encomenda.

Tentei fazer uma reclamação formal no site dos correios, mas não consegui porque preciso do endereço e outras informações do remetente, que não tenho. Como você saber o endereço físico de uma compra pela internet?

Daí eu fui atrás das mídias sociais para fazer algum contato. Consegui através do Facebook. E sabe o que me responderam? Colocando a tal da portaria que justifica o fato do carteiro não interfonar.

Sobre o questionamento apresentado na linha do tempo sobre as entregas, segue informações:

“ Conforme a Portaria 567/2011, artigo 5º, a entrega postal de encomendas pelos Correios em condomínio residencial e comercial, edifícios com mais de um pavimento, centro comercial e outros considerados locais coletivos e com restrição de acesso de pessoas, deve ser feita em caixa receptora única de correspondências ou ao porteiro, administrador, zelador ou pessoa designada pelo prédio para receber. Se esses locais não contarem com essa estrutura, havendo solicitação dos moradores, a ECT pode efetuar a entrega em caixas receptoras individuais, instaladas na entrada do prédio e desde que haja acesso ao carteiro. Se a dúvida persistir, orientamos você a registrar uma manifestação em nossos canais oficiais de relacionamento com o cliente. Você deve entrar em contato pelo nosso site http://www2.correios.com.br/sistemas/falecomoscorreios”.

Não preciso dizer que fiquei de queixo caído imaginando quem teria sido o redator dessa portaria. Com certeza alguém que mora em um país de primeiro mundo, onde todos os prédios têm caixas receptoras e, ainda por cima, de tamanho que caibam encomendas e não apenas correspondência. Quanto a Porteiro já não teria muito a ver com primeiro mundo porque nesses países só os prédios de altíssimo luxo têm porteiros.

Aqui no Brasil até que ter porteiro é mais comum. Mas os prédios de classe média para baixo não têm.  Gente uma boa parte dos prédios não tem nem porteiro e nem interfone. E muito menos caixas receptoras. 

Essa portaria é de uma alienação que incomoda. Mesmo que essas exigências sejam relativamente atendidas nas regiões Sul e Sudeste do País é sempre bom lembrar que existem ainda o Nordeste, o Norte e o Centro-oeste onde, talvez na capital até existam prédios dentro dos padrões dos correios. Mas só na capital mesmo.

Uma outra norma, regra o que seja, diz que se forem feitas três tentativas e a mercadoria não for entregue, ela será devolvida ao remetente. Como assim? O tal do destinatário fica sem mais nenhuma chance de receber sua encomenda? Mesmo não tendo culpa de não ter recebido, ao menos não deveriam deixar a mercadoria no tal dentro de encomendas e avisar para pegar?

Uma Portaria como essa deveria ter sido escrita para países onde o serviço público realmente funciona e onde a realidade financeira permite prédios que se enquadrem nessas exigências peculiares.

Um dos problemas do Brasil, entre os milhares que existem, é que uma boa parte dos funcionários públicos não tem compromisso com o seu trabalho e ainda acha que está fazendo favor ao usuário.

Tenho uma coisa para falar a vocês senhores funcionários públicos que pensam assim: vocês são pagos para atender os usuários com atenção e eficiência. Não é favor. É obrigação. Nós pagamos pelos serviços, seja  indiretamente através de impostos, seja diretamente, como é o caso dos Correios, através do pagamento do frete que, inclusive em alguns casos, é mais caro que o valor do que está sendo comprado ou enviado.

No caso de entrega de encomendas não faz sentido a regra ser deixar em caixas receptoras ou falar com o porteiro ou zelador do prédio e não listar o destinatário como principal pessoa a ser contatada.

Então meus amigos e minhas amigas que tiveram a paciência de chegar ate aqui, fica a lição: Se você morar em um prédio que não tenha caixa receptora ou, pelo menos, um porteiro ou zelador que esteja sempre a postos para receber as encomendas, então não compre nada pela internet. Você poderá ser punido por não morar em um prédio chique e perder a sua compra.

Finalmente hoje, segunda, 18 de fevereiro, a novela terminou. Novamente no horário em que sabe que é de almoço do funcionário do prédio, o carteiro veio mesmo assim, mas, dessa vez teve o bom senso de interfonar para o meu apartamento. Meu marido foi pegar a encomenda e perguntou por que ele não interfonou das outras vezes. E sabem o que o carteiro respondeu?  " Eu não tenho obrigação de ligar pelo interfone. Você deviam colocar um porteiro". Espero que ele tenha o privilégio de morar em um prédio onde tenha um porteiro. Porque nem todos têm essa condição. Inclusive eu.

De posse da nota fiscal e de todos os dados do remetente fui fazer uma reclamação no site dos Correios. Preenchi todas as informações solicitadas e quando cheguei no final, não pude enviar a reclamação porque o que eu queria reclamar não está listado nas opções e não tem a opção "outros" . Pois é falar com os Correios é realmente uma coisa muito difícil.  Mas vou continuar tentando fazer a minha reclamação, mesmo com toda essa blindagem que dificulta o acesso.

 Em  um país onde a classe média cresce a cada dia nos últimos dois anos, não por ascensão dos mais pobres, mas, ao contrário, pela perda de renda dos que estavam acima dela, se essa portaria ridícula não for revogada e substituída pro uma nova que seja redigida dentro da realidade brasileira ou agente arranja grana para morar em prédio que se enquadre nas regras ou pega emprestado o endereço de amigos ou parentes pra enviar o que comprarmos pela internet ou fazemos plantão na porta do prédio enquanto esperamos chegar o que pedimos ou, a solução mais prática, desistimos de comprar pela internet.  

Do jeito que as coisas estão andando nesse país, nós, da classe média para baixo, seremos mesmo, aos poucos, banidos dessas conveniências. Afinal vivemos no Brasil – o país de poucos.