Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

terça-feira, 10 de maio de 2016

QUAL A SAÍDA POLÍTICA?


 por Frei Betto


      A deposição de Dilma me cheira a golpe parlamentar, à semelhança do que ocorreu em Honduras e no Paraguai. O governo dela, neste início do segundo mandato, não corresponde ao êxito alcançado no primeiro. Contudo, foi democraticamente eleito e eu, que o critico, não cedo ao oportunismo que se empenha em quebrar os limites entre oposição e deposição.

      Aceitar que antipatia e fracasso administrativo devam ter mais peso que princípios constitucionais é admitir o retrocesso, e jogar o Brasil e a América Latina na cartografia das “repúblicas de bananas”, tão em voga no continente na primeira metade do século XX.

      Meu desconforto é óbvio. Não vejo saída para a emancipação brasileira dentro de nossa atual institucionalidade política. Eleições gerais? Seria uma boa medida se um Tiririca não pudesse alçar ao parlamento figuras que se valem da distorção do quociente eleitoral sem sequer terem contado com os votos da própria família!

      E, entre tantos candidatos, quem encarna um programa consistente de reformas estruturais? Vale trocar o seis por meia dúzia?

      Tivesse o PT valorizado, ao longo dos últimos 13 anos, as lideranças populares de esquerda, hoje teríamos um Congresso progressista e com muito menos figuras ridículas. No entanto, preferiu alianças não confiáveis das quais agora é vítima.  

      As forças políticas progressistas precisam se redefinir no Brasil. Estabelecer um programa mínimo de libertação nacional, sem o que continuaremos reféns dessa política de efeitos, e não da política capaz de alterar as causas das anomalias nacionais.

      É preciso romper o ciclo viciado da política de resultados e redefinir uma política de princípios capaz de mirar além das urnas, do neoliberalismo e dessa fase histórica do capitalismo.

      Se a esquerda brasileira não resgatar a utopia libertária, nosso horizonte ficará limitado a este ou aquele candidato, num círculo dantesco de êxitos e decepções, avanços e recuos.

      A idade adulta de democracia tem nome: socialismo. Mas de tal maneira o inimigo esconjura tal nome, que temos medo de pronunciá-lo. Ainda não nos recuperamos da queda do Muro de Berlim. Coramos de vergonha frente ao capitalismo de Estado adotado pela China e o hermetismo idólatra da Coreia do Norte.

      Ora, não se trata de suportar o peso da culpa de tantos erros cometidos pelo socialismo, embora a América Latina abrigue a única experiência vitoriosa, Cuba. Trata-se de dissecar a verdadeira face do capitalismo repleta de atrocidades, misérias, exploração neocolonial, guerras e degradação ambiental.

      Qual é o “outro mundo possível”? Onde estará a senda do “bem viver”? O caminho se faz ao caminhar. E uma certeza eu guardo: fora do mundo dos pobres e de seu protagonismo político os progressistas sempre correrão o risco de segurar o violino com a esquerda e tocá-lo com a direita.

Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.

     Copyright 2016 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com

 http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.
Você acaba de ler este artigo de Frei Betto e poderá receber todos os textos escritos por ele - em português, espanhol ou inglês - mediante assinatura anual via mhgpal@gmail.com

Maria Helena Guimarães Pereira
MHP Agente Literária - Assessoria


sexta-feira, 6 de maio de 2016

POBRE E PODRE POLÍTICA

por Frei Betto




       Pobre política dos tapinhas nas costas, das mãos ansiosas por punhais sob sorrisos amarelos, dos potes de mágoas derramados no coração.

       Pobre política dedicada cinicamente ao papai, à mamãe e ao filhinho, e das maledicências esgueirando-se por gabinetes, a corroer dignidades, esgarçar patrimônios morais e aspergir cizânia nos campos da decência.

       Pobre política da pose maquiada para a foto, abraço descosturado de afetos, olhar altivo, o "papagaio-de-pirata" empoleirado sobre o alpiste da fatura de votos.

       Pobre política das entrevistas repletas de palavras e vazias de sentido, dos discursos adjetivados de promessas vãs, das recepções encharcadas de venenos retóricos, das audiências purgatoriais, das homenagens alinhavadas às costas pelo próprio homenageado.

       Pobre política que soma votos subtraindo princípios, faz conchavos inconfessáveis e promove acertos guardados no cofre de sigilos inomináveis. E das coligações órfãs de projetos, do balcão empregatício, dos presentes perfumados de sedução.

       Pobre política da clonagem de salários e remunerações, vantagens e voragens, garimpeira de influências e alpinista luxenta de quem abomina a própria origem.

       Pobre política da voz elevada, rebaixando secretárias e contínuos, da máscara da autoridade cuspindo fel, da pessoa refém da função, do apego desmesurado ao poder, da mendicância cotidiana de atenções e agrados.

       Pobre política das portas trancadas à turba que perturba, dos tapetes alérgicos à poeira das sandálias e botinas, das cerimônias que içam o ego e afogam o dever de bem governar.
       Pobre política a sacrificar, no altar da pátria, a vida em família, o lazer, as amizades. E que impede o prazer de nada fazer, só ser.

       Pobre política do corporativismo eleitoreiro, do repasse escuso de recursos, do partido de aluguel, do caixa dois e do silêncio dos inocentes.

       Pobre política da conquista iníqua de bens sonegados aos pobres, das mesuras cínicas, das mulheres convidadas a emoldurar a sala, da atitude déspota de quem sequer cumprimenta ascensoristas, motoristas, porteiros e garçons.

       Pobre política destituída de conteúdos históricos, atolada na rasteira trivialidade de costuras inócuas, indiferente ao sacrifício e à luta de tantos que padeceram para imprimir à convivência entre humanos a marca gêmea da liberdade e da justiça.

       Pobre política da competição mesquinha, cega aos horizontes utópicos, enredada na burocracia farisaica que coa mosquitos e engole camelos, farsa pusilânime que, no proscênio, esconde a tragédia de tantas esperanças fraudadas.

       Pobre política dos discursos desajuizados, proferidos na veemência despida de ética, ecoando rancores. E das aleivosias moldadas pela conveniência, disfarçadas de firmeza enquanto os pés chafurdam no lodo das negociatas.

       Pobre política da veneração desmesurada ao poder, do desfibramento ideológico, da despolitização dos eleitores, da indigência de estratégias imunes ao calendário do próximo pleito.

       Pobre política da prepotência de quem ignora que cargos não alongam estaturas, nem a moral, e enche o peito de virtuais medalhas concedidas pela própria vaidade de quem se julga acima da média.

       Pobre política insensível à dor inaudível, ao tresloucado no trampolim do desespero, ao endividado, ao demente, e ao que, embaixo do viaduto, aguarda a intervenção divina.

       Pobre política? Podre política, enquanto não sofrer profunda reforma.


Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. 

Copyright 2016 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com



 http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.
Você acaba de ler este artigo de Frei Betto e poderá receber todos os textos escritos por ele - em português, espanhol ou inglês - mediante assinatura anual via mhgpal@gmail.com