Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

domingo, 29 de abril de 2012

O ENCONTRO DOS DONS

Há treze anos tive o privilégio de presenciar um encontro maravilhoso e inesquecível entre dois dons: o da música e o do amor e da paz. Para relembrar este momento, republico o texto que escrevi na época, para descrever a emoção deste encontro, idealizado por mim e realizado com a ajuda de Frei Betto. O texto foi publicado no jornal Igreja Nova e no site chicobuarque.com.br.


"A temporada aí foi ótima, ainda mais tendo sido possível o encontro com Dom Helder. Depois de vê-lo a gente ainda acredita que o Brasil pode dar certo..." (VINICIUS FRANÇA – Empresário de Chico Buarque)
Se um tem o Dom do Amor, da Paz e da Vida, o outro tem o Dom da poesia, da música, da alegria.
Se um defendeu o direito à vida e à liberdade, levando aos quatro cantos do mundo a denúncia em favor dos fracos e oprimidos, o outro denunciou, levando a sua música.
Cada um dos dois, a seu modo, vem lutando para que o nosso país possa se tornar um lugar melhor, onde todos possam se sentir incluídos e partes integrantes da mesma nação, com direitos e deveres iguais para todos.
E foi assim que, no dia 16 de julho, dia da padroeira do Recife, Nossa Senhora do Carmo, em um final de tarde claro, com restos de sol, a música, as letras, a poesia, os dons, enfim, se reencontraram, para celebrarem a alegria de estar juntos.
O Dom mais velho, mais experiente, e por isso mesmo mais cansado, aguardava em sua cadeira de balanço, a chegado do outro dom, mais jovem, menos experiente até, mas trazendo consigo também a sua bagagem de luta pela libertação de seu povo, de seu país.
Os velhos e alegres olhos castanhos do profeta/poeta/escritor/pastor, encontraram os olhos azuis saltitantes do poeta/músico/cantor e por que não dizer também pastor, quando conduz com sua música, ao deleite e também à reflexão.

Dom Helder Camara, simplesmente o DOM.
Chico Buarque de Holanda, simplesmente o Chico.
Um, genial em seu pastoreio, outro, genial em suas criações.

Articulado por mim e por Frei Betto, o encontro dos dons foi um momento de ternura, ou de "fraternura"(como costuma dizer, carinhosamente, nosso  irmão Leonardo Boff), visível nos rostos presentes.
De repente, o artista se levanta e cantarola trechos de "A Banda" para o profeta, que erguendo os braços alegremente, acompanha o ritmo da música, como se regesse uma orquestra: " Estava à toa na vida o meu amor me chamou, pra ver a Banda passar, cantando coisas de amor. A minha gente sofrida, despediu-se da dor, pra ver a Banda passar, cantando coisas de amor".
Com certeza, a luta do profeta e do compositor tem sido para que realmente a sua gente sofrida se despeça da dor. Não apenas para ver a Banda passar. Mas para viver num país onde a dignidade e a solidariedade sejam um princípio e não apenas uma referência.
Mas um profeta não se cala. Suas palavras, suas denúncias atravessam o tempo.
A um cantor também, não se consegue calar. Como a denúncia do profeta, sua música ficará milênios, milênios no ar. Talvez os sábios em vão tentem decifrar o eco de antigas palavras, fragmentos de cartas, poemas, vestígios de estranhas civilizações.
Mas, com certeza, os amores serão sempre amáveis, e futuros lutadores quiçá, erguerão suas bandeiras de luta em defesa da vida, embalados, talvez sem saber, pelos poemas e pelas canções que um dia, o profeta e compositor, deixou para eles.

Por isso, como diz o artista, "Não se afobe não, que nada é pra já". E como diz o profeta: - "Não devemos temer a utopia. Gosto de repetir muitas vezes que, ao sonharmos sozinhos, limitamo-nos ao sonho. Quando sonhamos em grupo, alcançamos imediatamente a realidade. A utopia, compartilhada com milhares, é o esteio da História".
Juntemos pois os nossos sonhos, pois só assim poderemos entender porque "O segredo de ser sempre jovem – mesmo quando os anos passam, deixando marcas no corpo- é ter uma causa a que dedicar a vida." ( Dom Helder)

Fotos: Sérgio Lobo

sábado, 14 de abril de 2012

QUANDO OS ÍDOLOS SE ENCONTRAM

O próximo final de semana no Recife será histórico. Estarão fazendo shows, ao mesmo tempo, no dia 21 de abril o maior ícone da música popular brasileira, o músico do século XX, Chico Buarque e o maior astro do rock mundial, o beatle Paulo McCartney.
Fã número um que sou dos dois não poderia estar vibrando mais. Vocês já imaginaram a energia positiva que vai tomar conta do Recife? No Teatro Guararapes Chico cantando e encantando uma platéia embevecida por seu talento inigualável de compositor e seu jeito tímido e terno de cantar.
E, não muito longe dali, no Arrudão, Paulo estará levantando a galera, 50 mil pessoas que cantarão e dançarão ao som de velhos sucessos dos Beatles e velhos e novos sucessos da carreira solo de Sir Paul.
Em 2010 ganhamos, eu e meu marido, das filhotas, de minha mãee de minha irmã, o presente maravilhoso de ir ao show de Paul em São Paulo. Foi um momento inesquecível, de pura adrenalina e emoção que pensei não se repetir. Mas, para minha surpresa, vai se repetir sim e nem precisamos ir muito longe de casa para viver outra vez aqueles inesquecíveis momentos.
Show de Chico tenho ido a todos aqui no Recife, desde os idos da década de 70, no Geraldão, no teatro Santa Isabel e, desde 1999, no teatro Guararapes.
Já se vão tantos anos desde que a música dos Beatles e a de Chico entraram em minha vida que nem dá pra lembrar com precisão quando ocorreu o primeiro contato. Mas, uma coisa é certa, depois que fui apresentada a eles nunca mais deixei de curtir. Tive a alegria de casar com uma pessoa que também é fã dos Beatles. Resultado, nossas três filhas são beatlesmaníacas como nós dois e, ainda por cima, chicomaníacas também.
É uma pena que elas não estejam por aqui para que pudéssemos curtir juntas o show de Paul. Em 2007, estávamos as quatro juntas assistindo ao show “As cidades”, cantando cada música apresentada por ele antes, durante e depois do show.
E, o show de Paul, a caçulinha estava com a gente.
Mas não faz mal. Nós vamos curtir muito por elas. Quem sabe, em uma próxima vez possamos estar curtindo toda a família junta?
Agora me respondam uma coisa: Os recifenses são ou não um povo de sorte? Falem a verdade, não é mesmo demais termos Chico Buarque e Paul McCartney fazendo show no mesmo dia em nossa cidade?

sexta-feira, 6 de abril de 2012

CARTA AOS MEUS FILHOS

Franz Kafka, escritor tcheco, falecido em 1924, tem entre os seus escritos as “Cartas ao meu Pai”, um angustiante diário, onde ele dizia ao pai, talvez tudo o que não teve a oportunidade de dizer pessoalmente. Ou quem sabe, não pôde ou não teve coragem..

Aproveitando-lhe a idéia de uma correspondência entre filho e pai, apelamos para a livre criatividade que o nosso Pai nos dotou e imaginamos como seria uma situação inversa, do Pai escrevendo para os seus filhos...

“No princípio, eram apenas dois. Depois, eles foram aumentando, em número e em sabedoria, os meus filhos.
Mas eles não sabiam quem eu era... nem imaginavam que teriam um pai ... que lhe deviam respeito e obediência.
Escolhi alguns outros filhos para lhes dizer isso ... mas, mesmo assim, eles não entendiam, não escutavam.

Foi preciso que eu mandasse meu filho mais velho, para dizer, explicar aos seus irmãos, o que eu queria deles... mas a maioria dos meus filhos nem quis saber ... até mataram o irmão. Mas, talvez por ser o mais velho, de qualquer forma, alguns lhe deram ouvidos e levaram a sério o que ele tinha a dizer.

Tanto tempo se passou, desde que eu o enviei e o trouxe de volta para junto de mim. Tantas desobediências continuaram e continuam acontecendo... o meu filho mais velho continua sendo muito respeitado, é verdade, mas a maioria dos seus irmãos o ignora.

Quando meu filho mais velho andava por entre os irmãos, ele nomeou alguns seus procuradores, na difusão da minha mensagem. É verdade que ao longo desses anos todos, o número dos que acreditam na mensagem do irmão mais velho, cresceu muito. Não o suficiente ainda para que me sinta feliz. Mas cresceu. O número dos procuradores também cresceu. Menos do que deveria, é verdade. Mas, não só isso que me causa pesar. O que mais me traz sofrimento, é ver que , dentre os meus procuradores, alguns, apesar de saber tudo o que quero que façam, me ignoram e agem por sua conta e risco. E o que é pior, ainda dizem que eu os inspiro.

E, sabem o que mais me dói? É o descaso daqueles filhos que se dizem fiéis e obedientes a mim. Falem-me a verdade: pode haver dor maior para um pai, do que saber que um filho diz para todos que ama o pai, que o respeita e que o obedece, mas que, ao contrário, só faz o quer, mesmo que vá de encontro ao que lhe é pedido?

Eu sei que poderia usar de minha autoridade e obrigar a todos a me obedecer. Mas, não é assim que um pai de verdade deve agir. Um pai de verdade tem que ter, acima de tudo, misericórdia para com os erros dos filhos, paciência para com a sua rebeldia, tolerância com o seu descaso. Um pai tem que ter muito amor, tanto que, ao transmitir para o filho aquilo em que acredita e, tendo ele crescido o suficiente para andar sozinho, soltar-lhes as mãos e deixar que se vá.

Era isso que eu esperava daqueles que receberam a procuração para me representar. Entreguei-lhes a guarda de irmãos, confiando que seriam mansos e prudentes. Que agiriam com a sabedoria que procuro lhes passar.

Mas meu coração de pai está triste. Cada vez mais triste. Poderia ser diferente, ao ver que dentro da minha própria casa, irmão persegue irmão, irmão faz irmão sofrer.
Filhinhos, acordem, abram os seus olhos e leiam o que seus irmão mais velho deixou para vocês.
Basta de perseguições! Basta de Injustiça!

É em meu nome que vocês agem e eu não lhes passei procuração para agirem com arbitrariedade, autoritarismo, injustiça ou frieza.
A procuração que seu irmão mais velho lhes passou foi para que, representado-me, agissem como eu agiria, se aí estivesse: usando, acima de tudo, misericórdia.

Meus filhos, ponham a mão na consciência e me respondam: se fosse EU realmente que os inspirasse, como vocês acham que EU conduziria o meu povo, a minha Igreja?”

Em tempos de Páscoa, uma reflexão sobre tudo isso poderia ser bem oportuna.