Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

CARTA AOS MEUS FILHOS

Franz Kafka, escritor tcheco, falecido em 1924, tem entre os seus escritos as “Cartas ao meu Pai”, um angustiante diário, onde ele dizia ao pai, talvez tudo o que não teve a oportunidade de dizer pessoalmente. Ou quem sabe, não pôde ou não teve coragem..

Aproveitando-lhe a idéia de uma correspondência entre filho e pai, apelamos para a livre criatividade que o nosso Pai nos dotou e imaginamos como seria uma situação inversa, do Pai escrevendo para os seus filhos...

“No princípio, eram apenas dois. Depois, eles foram aumentando, em número e em sabedoria, os meus filhos.
Mas eles não sabiam quem eu era... nem imaginavam que teriam um pai ... que lhe deviam respeito e obediência.
Escolhi alguns outros filhos para lhes dizer isso ... mas, mesmo assim, eles não entendiam, não escutavam.

Foi preciso que eu mandasse meu filho mais velho, para dizer, explicar aos seus irmãos, o que eu queria deles... mas a maioria dos meus filhos nem quis saber ... até mataram o irmão. Mas, talvez por ser o mais velho, de qualquer forma, alguns lhe deram ouvidos e levaram a sério o que ele tinha a dizer.

Tanto tempo se passou, desde que eu o enviei e o trouxe de volta para junto de mim. Tantas desobediências continuaram e continuam acontecendo... o meu filho mais velho continua sendo muito respeitado, é verdade, mas a maioria dos seus irmãos o ignora.

Quando meu filho mais velho andava por entre os irmãos, ele nomeou alguns seus procuradores, na difusão da minha mensagem. É verdade que ao longo desses anos todos, o número dos que acreditam na mensagem do irmão mais velho, cresceu muito. Não o suficiente ainda para que me sinta feliz. Mas cresceu. O número dos procuradores também cresceu. Menos do que deveria, é verdade. Mas, não só isso que me causa pesar. O que mais me traz sofrimento, é ver que , dentre os meus procuradores, alguns, apesar de saber tudo o que quero que façam, me ignoram e agem por sua conta e risco. E o que é pior, ainda dizem que eu os inspiro.

E, sabem o que mais me dói? É o descaso daqueles filhos que se dizem fiéis e obedientes a mim. Falem-me a verdade: pode haver dor maior para um pai, do que saber que um filho diz para todos que ama o pai, que o respeita e que o obedece, mas que, ao contrário, só faz o quer, mesmo que vá de encontro ao que lhe é pedido?

Eu sei que poderia usar de minha autoridade e obrigar a todos a me obedecer. Mas, não é assim que um pai de verdade deve agir. Um pai de verdade tem que ter, acima de tudo, misericórdia para com os erros dos filhos, paciência para com a sua rebeldia, tolerância com o seu descaso. Um pai tem que ter muito amor, tanto que, ao transmitir para o filho aquilo em que acredita e, tendo ele crescido o suficiente para andar sozinho, soltar-lhes as mãos e deixar que se vá.

Era isso que eu esperava daqueles que receberam a procuração para me representar. Entreguei-lhes a guarda de irmãos, confiando que seriam mansos e prudentes. Que agiriam com a sabedoria que procuro lhes passar.

Mas meu coração de pai está triste. Cada vez mais triste. Poderia ser diferente, ao ver que dentro da minha própria casa, irmão persegue irmão, irmão faz irmão sofrer.
Filhinhos, acordem, abram os seus olhos e leiam o que seus irmão mais velho deixou para vocês.
Basta de perseguições! Basta de Injustiça!

É em meu nome que vocês agem e eu não lhes passei procuração para agirem com arbitrariedade, autoritarismo, injustiça ou frieza.
A procuração que seu irmão mais velho lhes passou foi para que, representado-me, agissem como eu agiria, se aí estivesse: usando, acima de tudo, misericórdia.

Meus filhos, ponham a mão na consciência e me respondam: se fosse EU realmente que os inspirasse, como vocês acham que EU conduziria o meu povo, a minha Igreja?”

Em tempos de Páscoa, uma reflexão sobre tudo isso poderia ser bem oportuna.

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