Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O TEMPO

Deixo aqui um belo poema de CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE como mensagem para o novo ano.

"Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um individuo genial.

Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.

Para você, desejo o sonho realizado,
o amor esperado,
a esperança renovada.

Para você, desejo todas as cores desta vida,
todas as alegrias que puder sorrir,
todas as músicas que puder emocionar.

Para você, neste novo ano,
desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
que sua família seja mais unida,
que sua vida seja mais bem vivida.

Gostaria de lhe desejar tantas coisas...
Mas nada seria suficiente...

Então desejo apenas que você tenha muitos desejos,
desejos grandes.

E que eles possam mover você a cada minuto
ao rumo da sua felicidade."


Feliz 2017

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O DIA EM QUE DOM PAULO FOI SEQUESTRADO


O ano era 1999. Tempos difíceis para a arquidiocese de Olinda e Recife que, depois de 21 anos tendo como arcebispo e pastor Dom Helder Camara, estava, há 15, tendo um arcebispo totalmente oposto, que não aprendeu a ser pastor e muito menos a ouvir as suas ovelhas.

Enquanto falávamos sobre a morte de Dom Paulo, Sérgio me lembrou de um fato que eu meio que havia apagado da memória e que aflorou quando ele mencionou o "sequestro de Dom Paulo" 

Com a morte de Dom Helder no dia 27 de agosto, foi criada toda uma polêmica sobre as celebrações das missas de sétimo e trigésimo dia.

Sem consultar ninguém Dom José convidou Dom Eugênio Sales para celebrar a missa de sétimo dia, em uma prova de que não tinha a menor noção do que estava fazendo, uma vez que Dom Eugênio, por ser de uma linha totalmente oposta a Dom Helder, não era, nem de longe, uma opção sensata.

Temendo que para o trigésimo dia também fosse convidado alguém sem a menor identificação com Dom Helder, um grupo se reuniu e convidou Dom Paulo Evaristo Arns para vir celebrar o trigésimo dia da partida do Dom.

Dom José Cardoso engoliu a escolha, não muito satisfeito. A ideia era pegar dom Paulo no aeroporto, levá-lo para a Sé de Olinda para a celebração e depois acompanha-lo à casa de Lucinha Moreira, onde uma gostosa sopa aguardava a todos.

Acontece que dom José resolveu que deveria levar Dom Paulo para jantar com ele. E, ciente disse, um grupo formado por alguns membros do Jornal Igreja Nova armou uma estratégia para que Dom José não se apossasse de Dom Paulo. Logo que acabou a celebração um dos membros do Igreja Nova foi pegar o carro para trazer para a porta da Sé, enquanto outros quatro iam até a sacristia para escoltar Dom Paulo até a saída.

Estava quase dando tudo certo quando, a poucos metros do carro, já de portas abertas, aguardando Dom Paulo, dom José surge ao lado dele e segurando o seu braço insiste para ele o acompanhe. Dom Paulo explica que já havia assumido um compromisso anterior com um outro grupo e que não poderia cancelar. E Dom José, nervoso, olho piscando e boca trêmula não soltava o braço de Dom Paulo, insistindo que ele deveria acompanhá-lo.

Vendo a iminência de Dom Paulo ser desviado do encontro combinado por um Dom José irredutível, com a mão grudada no braço do cardeal, o pessoal resolveu soltar Dom Paulo e levá-lo para o carro, mesmo sob o protesto de Dom José. Alguém chegou a dizer ao arcebispo de Olinda e Recife que depois levariam Dom Paulo Para se encontrar com ele e, arrancando, com delicada firmeza, a mão de Dom José do braço de Dom Paulo, o escoltaram, na maior pressa até o carro e saíram dali a toda.

Depois do susto e da agonia, ficamos pensando no que teria acontecido se Dom José não tivesse soltado o braço de Dom Paulo de jeito nenhum. E seguimos em frente para a deliciosa sopa que nos aguardava e para uma noite privilegiada, conversando com Dom Paulo.


Sim, eu estava no meio dessa empreitada e sim, eu forcei Dom José a soltar Dom Paulo, tirando a mão dele de seu braço. E aí talvez você pense que éramos loucos ao fazer esse pseudo – sequestro, que, na verdade, não foi propriamente um sequestro já que Dom Paulo já havia combinado conosco a programação após a celebração e estava indo de bom grado. Na verdade, pensando bem, foi mesmo um resgate.


Não, não éramos loucos. Éramos um grupo de pessoas que lutava para que a arquidiocese de Olinda e Recife voltasse a ter um pastor.
E talvez você se pergunte: será que ela não se arrependeu do que fez? Jamais me arrependi. E nem acho que ninguém que participou do “sequestro” tenha se arrependido. Foi a primeira e única vez que vi Dom Paulo pessoalmente e acho que para quase todos ali presentes foi assim também.  

Então cada momento de tensão e sufoco foi recompensado por passar uma noite bebendo na fonte as sabedoria de um profeta.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

QUANDO UMA TRAGÉDIA É MAIOR QUE A OUTRA?


Não assisto à programação regular das TVs, nem aberta, nem fechada. Não gosto realmente dos noticiários da mídia tradicional. Acompanho as noticias pela internet, escolhendo o que quero ou não quero ler. Quero preservar esse direito. Isso, algumas vezes, me deixa desatualizada por um tempinho, pois só me inteiro do que acontece no mundo quando ligo o computador, pela manhã. A não ser quando a notícia já está nas mídias sociais, que, por questões profissionais, vejo logo que acordo.

E ontem fui surpreendida, no instagran, por algumas pessoas postando a bandeira de um time de futebol sobre o qual eu nunca tinha ouvido falar. Na verdade, gosto tanto de futebol quando de televisão. Ou seja, zero. Então eu não conhecer um time de futebol não é novidade. Mas, enfim, acabei descobrindo o motivo das postagens logo depois. E, desde então, percebo que na mídia não se fala em outra coisa. O que é também muito comum pois a mídia espreme das tragédias até a última gota de sangue.

Um time internacional ofereceu jogadores para ajudar o chapecoense a se reestruturar, o time que ia jogar com ele pediu para cancelar a final e declarar o time de Santa Catarina o campeão. A torre Eiffel se iluminou de verde, analistas do mundo todo dão sua opinião sobre o acidente e muitas e muitas notícias continuam rolando por aí. Em nível mundial.

Foi uma tragédia? Claro que foi. De Grandes proporções? Claro que sim. Mas foi uma tragédia porque morreram mais de setenta pessoas. Foi uma tragédia porque morreram pessoas que eram pais, mães, irmãos, irmãs, filhos, filhas, sobrinhos, sobrinhas, netos, netas, primos, primas ou amigos ou amigas de alguém. Não importa se jogavam futebol, vendiam sapatos, davam aulas ou viviam de renda. Morreram pessoas, ponto. Tudo indica que foi por aquela economiazinha desprezível que os empresários fazem para aumentar os lucros e que já derrubaram prédios, viadutos e aviões. Aquela economia que estica o prazo da manutenção ou que encolhe a quantidade de combustível a ser usada no voo.

A tragédia se torna maior por saber que se o avião tivesse tido permissão para pousar um pouco antes ou se a quantidade de combustível fosse um pouco maior, todas aquelas pessoas estariam vivas hoje.

Diante de todos os comentários de lamentações pelo time que se desfez, pela dificuldade que o clube vai ter em reorganizar o time e coisas afins, eu me pergunto: alguém vai oferecer um pai para emprestar a alguma família? Alguém tem um filho que possa ficar temporariamente no lugar de um que morreu no acidente? Alguma noiva, esposa, namorada vai querer um companheiro temporário para aplacar a sua dor? NÃO. Porque ninguém pode ser substituído na dor de uma perda, na tristeza de uma saudade que nunca mais vai acabar.

Quando soube da tragédia o meu primeiro pensamento foi: como estarão agora as famílias dessas pessoas? Porque isso é o que verdadeiramente importa.

Daqui a algum tempo o Chapecoense terá contratado novos jogadores, receberá um ou outro emprestado e voltará aos treinos. Provavelmente nos primeiros jogos entrará de luto, prestará homenagem aos que se foram e, depois, tudo se resumirá a uma homenagem em alguma estante ou parede do clube.

Mas e as famílias que perderam seus entes queridos? Por toda a sua vida sentirão a dor da perda e da saudade.

Então por que não deixamos de lado o fato de terem morrido jogadores de futebol e, em lugar de “sermos todos chapecoenses” não podemos ser todos solidários com as famílias que sofreram perdas tão duras e lamentarmos a morte de todos os que estavam naquele avião e que, de maneira inesperada e violenta, tiveram interrompido o seu futuro?

Pode parecer novidade mas futebol não é tudo na vida. E sim, existe vida inteligente além do futebol. Na verdade, posso até dizer que existe vida inteligente, apesar do futebol.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

O DESAMOR NOS TEMPOS DE CÓLERA


“Coisa bem diferente teria sido a vida para ambos se tivessem sabido a tempo que era mais fácil contornar as grandes catástrofes matrimoniais do que as misérias minúsculas de cada dia. Mas se alguma coisa haviam aprendido juntos era que a sabedoria nos chega quando já não serve para nada”.


Ainda muito jovem, o telegrafista, violinista e poeta Gabriel Elígio Garcia se apaixonou por Luiza Márquez, mas o romance enfrentou a oposição do pai da moça, coronel Nicolas, que tentou impedir o casamento enviando a filha ao interior numa viagem de um ano. Para manter seu amor, Gabriel montou, com a ajuda de amigos telegrafistas, uma rede de comunicação que alcançava Luiza onde ela estivesse. Essa é a história real dos pais de Gabriel García Márquez e foi ponto de partida de 'O amor nos tempos do cólera', que acompanha a paixão do telegrafista, violinista e poeta Florentino Ariza por Fermina Daza. Um amor que resistiu ao casamento de Fermina com outro e que esperou por um final feliz por 51 anos.

Mas, o amor sobre o qual pretendo falar aqui, não é o mesmo dos pais de Gabo ou de suas personagens no livro. Também a cólera é outra, é a raiva, a ira, que tem alimentado o ódio que proliferou no país.

Quero falar do amor fraterno, que une não apenas duas pessoas romanticamente, mas que pode unir tantas quantas puder alcançar, em uma relação de amizade e que, como o amor do livro, poderia durar cinquenta, sessenta anos e até mesmo seguir mais e mais em frente, deixando suas sementes milênios no ar.

Quero falar desse amor que está sendo vencido pela cólera. Uma cólera que não é enfrentada, contornada, sequer desafiada e que, ao contrário, está ganhando e enfraquecendo sentimentos e amizades.
Sim, vivemos amores e desamores em tempos de cólera.

E, nesses tempos, em que telegramas foram substituídos por whatsapp e telegram, cartas por e-mails e álbuns de fotos e conversas entre amigos e familiares foram substituídos pelo Facebook, os amores deveriam estar se reforçando, se alimentado e se fortalecendo.

Mas, infelizmente, as redes sociais, como tudo nessa vida, têm dois lados. Um lado que aproxima e outro, cruel, que afasta.

Protegidos pela invisibilidade, pela incapacidade das outras pessoas poderem lhes olhar olho no olho, as pessoas tomam ar e digitam tudo o que, pessoalmente, não teriam coragem de dizer, seja de bom, seja de ruim. E os ataques vão acontecendo, cotidianamente, ferindo sentimentos, matando amizades, por vezes espalhando boatos que prejudicam a moral ou a vida profissional dos outros.


Perfis falsos são criados só para xingar, denegrir, ofender, destratar, humilhar. Postagens são criadas com o único intuito de magoar. E, enquanto isso, os alicerces que uniam amigos e famílias, vão se desintegrando.

E, o tempo passa tão rápido que, um dia, de repente, a gente se lembra daquele amigo, daquela amiga, que já não vemos há tempo, que sequer temos falado nas redes e percebe, com muita tristeza, que o amor, a amizade, não está resistindo aos tempos de cólera.

Se antes o que unia as pessoas eram os sentimentos, hoje eles não são mais suficientes para que amizades perdurem. Hoje, o fator dominante para manter as amizades é a opção política. Amigos inseparáveis antigamente, hoje mal se falam. Famílias excluem membros dos chats por expressarem opinião diferente da maioria do grupo. Até mesmo a cor da roupa que a pessoa usa pode provocar xingamentos e humilhações na rua.


E daí fico me perguntando se os pais de Garbo vivessem hoje a sua história, aqui no Brasil e cada um tivesse uma opinião política diferente, o amor que resistiu às proibições, à distância e ao casamento com outras pessoas, resistiria à divergência política? Esperaria anos e anos no ar?

Chico inicia sua belíssima música Futuros Amantes assim: “Não se afobe não que nada é pra já, o amor não tem pressa, ele pode esperar, em silencio, no fundo do armário, na posta restante, milênios, milênios no ar” e termina: “Não se afobe, não, Que nada é pra já, Amores serão sempre amáveis, Futuros amantes, quiçá Se amarão sem saber, Com o amor que eu um dia Deixei pra você”.

E daí, ouvindo a música fiquei pensando se, com tanto ódio, tanta amargura, solta no ar, como se amarão os futuros amantes? Acredito que temos a responsabilidade de deixar muito amor no ar para que ele se espalhe e nunca se acabe. Para que ele permaneça milênios no ar.

Por isso quero meus amigos de volta, quero poder me encontrar com todos os amigos e amigas que tanto quero bem, sem que os lados opostos na política coloquem um paredão entre nós. Quero ouvir o telefone tocar e falar com amigos que não me ligam há muito tempo. Quero poder me encontrar com as pessoas queridas como nos velhos tempos, antes do tempo da falta de amor em tempos de cólera.

Mais tolerância e menos irritação! Mais solidariedade e menos amargura! Mais carinho e menos guerras! Mais amor e menos cólera.


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

LAVANDO A ALMA


O Recife amanheceu com suas ruas molhadas, como se as nuvens quisessem lavar a cidade, depois de uma eleição difícil e sofrida para os que votaram, realmente, de  acordo com a  sua opção política, seja de esquerda ou de direita e não movidos pelo ódio e pela alienação política.

As águas da chuva que começaram a cair ontem à noite pareciam querer limpar a cidade, da sujeira deixada pelo material de campanha espalhado em torno dos locais de votação e também as consciências dos que votaram em nome do ódio e não da cidade.

Em todo o país tivemos uma eleição movida por um ódio insano, cujo único objetivo era impedir que o Partido dos Trabalhadores elegesse seus candidatos. E não o que fosse melhor para a cidade.

Aqui no Recife não foi diferente. Como pode uma administração apática, insípida, que não tem nada de importante a apresentar, que não fez nada para melhorar a qualidade de vida da população, quase ter sido reeleita em primeiro turno?

Eram oito candidatos. Claro que a maioria não tinha real probabilidade de eleição. Na verdade, podemos dizer que três tinham. E, por isso mesmo, não se admite que a eleição quase tenha sido decidida no primeiro turno.

O ódio ao PT tem cegado as pessoas e as impedido de enxergar além de seu próprio umbigo.  Um ódio direcionado contra um Partido, camuflado de combate à corrupção, quando em praticamente todos os partidos existem denúncias, delações de parlamentares corruptos, mas que permanecem blindados pelo simples fato de que não foram eles que proporcionaram a oportunidade aos pobres de uma ascensão na escala social, que os fez chegar mais próximo de uma classe econômica abastada e egoísta, que não quer dividir com eles os espaços nos aviões, nos shoppings da vida ou nas salas de espera dos laboratórios e consultórios médicos.

Eleitores de Priscila Krause e de Daniel Coelho, ao ver que, nas pesquisas, João Paulo continuava em segundo lugar, mudaram seu voto para Geraldo Júlio para garantir que João Paulo não fosse eleito, não importando que, assim, estavam prejudicando seus próprios candidatos, praticando o chamado “VOTO ÚTIL”.

Votar a favor de um porque não se quer que outro se eleja é uma prova da despolitização gigantesca que se espalha pelo Brasil feito rastilho de pólvora. E, todos nós sabemos o que acontece quando o rastilho é consumido: uma inevitável explosão.

Se a atual administração estivesse sendo positiva, se a cidade do Recife houvesse melhorado, então a recondução do atual prefeito seria justificada. Mas, se apropriar de obras de governos anteriores e dizer que são suas, não torna isso verdade. Criar uma ciclo-faixa de lazer, aos domingos e feriados, não é melhorar a mobilidade na cidade. Embelezar a orla de Boa Viagem, construindo uma academia de Pilates em um dos jardins da avenida, não é melhorar a saúde dos recifenses. E inaugurar um parque não é ter como prioridade a preservação do meio ambiente.

Insegurança crescente, com a ocorrência de estupros que colocam as mulheres em uma situação ainda mais vulnerável e o aumento de assaltos, inclusive a ônibus, iluminação precária em muitas partes da cidade, trânsito caótico e ruas praticamente intransitáveis nos bairros, com estacionamentos e mão dupla que deveriam ser revistos, calçadas sem condições de uso por pessoas com dificuldade de locomoção, tudo isso sem falar nos problemas dos bairros mais afastados e menos favorecidos economicamente, são o relatório vivo de uma administração que não fez praticamente nada pelo povo da cidade, sobretudo pelos que mais precisam. E, mesmo assim, quase ganha no primeiro turno. Que justificativas encontramos para esse fenômeno?

Não conheço ninguém que esteja satisfeita com o atual prefeito. Porém, na hora de mudar isso através da legitimidade do voto, as pessoas preferem endossar uma administração incompetente a arriscar uma nova, como seria o caso de Daniel Coelho ou Priscila, desde que o PT não seja eleito. Quem perde? Os candidatos que não chegaram ao segundo turno? O PT que chegou por um fio? Ou a cidade do Recife que continua sob o risco da continuidade do descaso com a sua população? Ao quase levar o atual prefeito a uma vitória no primeiro turno, não foi dado um NÃO a Daniel, Priscila, Edilson ou João Paulo ou aos outros quatro candidatos. Foi dado um NÃO ao futuro do Recife.

O segundo turno não é fruto do acaso. É fruto da persistência, da perseverança dos que acreditam no Recife e querem que a cidade seja melhor administrada.

É uma segunda chance, uma nova oportunidade de mudar o que está aí. Novas alianças serão feitas, novas negociações, novos apoios. Se você acredita que a nossa cidade merece uma nova chance, no dia 30 de outubro vote então a favor da cidade.


O Recife merece ser uma cidade melhor. Pense nisso. No segundo turno dê uma chance ao Recife. Não vote em nome do ódio, vote em nome do amor.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

QUAL ERA MESMO O NOME DAS CARAVELAS?

Réplica da caravela de Colombo, datada de 1892: navegador genovês naufragou na costa do Haiti em 1492 Foto: REUTERS

 Como trabalho com mídias sociais passo o dia inteiro com Facebook aberto, seja postando, seja respondendo ou curtindo comentários. E, enquanto passo por faces de clientes, inevitavelmente, passo pelo meu, que é o gerenciador de todos. Daí vi uma postagem de um amigo que me chamou a atenção, contando uma história de uma inspeção em uma escola pública municipal, onde o inspetor de ensino do estado foi fazer uma avaliação. Ao perguntar a um aluno quem pôs fogo em Roma ele imediatamente respondeu que não havia sido ele. O inspetor sai da sala e conta o caso a professora, ao que ela responde que, se o aluno disse que não foi  ele é porque realmente não foi.

O inspetor vai então até o prefeito, conta o caso e sugere que a professora seja imediatamente demitida e substituída. O prefeito diz que não pode fazer isso porque ela precisa do emprego, sustenta a família e, além de tudo, foi indicado pelo presidente do partido. E propôs um acordo para o inspetor  que ele dissesse o valor do prejuízo, a prefeitura pagava a conta e não se falava mais naquilo.

Claro que essa história é caricata, mas, infelizmente, retrata a realidade da educação no Brasil.

Quando a minha filha mais velha era pequena, estudante da 1a série do primeiro grau menor, ensino fundamental hoje, chegou em casa toda entusiasmada dizendo que a professora havia ensinado o nome das três caravelas de Pedro Alvares Cabral: Santa Maria, Pinta e Niña. Para que ela não gravasse uma informação errada imediatamente falei pra ela que a professora havia se confundido. Que esses nomes eram das caravelas de Cristóvão Colombo e não das de Cabral.

Fui à escola falar com a diretora, pedagoga de formação e muito competente nessa área. Ela me olhou com um ar interrogativo, sem entender por que eu estava dizendo que a professora se equivocou. Então chamou a coordenadora pedagógica, que havia feito pós-graduação em Londres e me pediu para colocar a minha observação. A coordenadora, cujo ego era um tanto inflado, talvez pela pós no exterior, também me olhou com ar interrogativo e, ao mesmo tempo, incrédulo. E me perguntou: você tem certeza disso? Bem, naquele momento eu realmente não tive mais dúvidas: elas não sabiam do que eu estava falando.

E a coordenadora me perguntou o que eu estava pretendendo ao levar essa questão para a escola. Expliquei que a minha intenção era pedir que a professora corrigisse o erro e colocasse para as crianças que os nomes das caravelas que  aportaram no Brasil não eram aqueles. Então ela me disse que estava tudo bem, mas que antes iria consultar uma amiga dela, professora de história. E a amiga, depois de consultar uma enciclopédia, confirmou que eu estava correta. Depois de, finalmente, se convencer de que eu estava certa em relação a quem pertenciam as caravelas, a coordenadora me chamou até o terraço para conversar. E me disse que iria falar com a professora para retificar a informação, mas que eu não deveria me preocupar com isso, porque, certamente, s crianças iriam esquecer logo. Porque se ao menos fosse uma informação errada de matemática ou português, aí sim, seria preocupante, mas de história? Quem se lembra disso não é mesmo? E daí, se tocando que eu lembrava, ela olhou pra mim com cara de deboche e, ironicamente me perguntou: como você lembrava dessa informação? Olhei para ela e, sorrindo, respondi: deve ser porque eu jogo muito Master.

Saí de lá arrasada, não tanto pelo fato da diretora e da coordenadora não saberem o nome das caravelas, mas pela maneira como a coordenadora me tratou, como se eu fosse uma ET, que guarda informações desnecessárias e que não influenciam no aprendizado de uma criança. E ainda pelo fato dela não se preocupar por uma professora da escola estar ensinando coisas erradas. Mas era só  história, pra que se preocupar.

No dia seguinte minha filha chegou em casa e contou que a professora havia se desculpado pela informação errada e agradecido a mim por ter alertado isso. Bem, pelo menos recuperei a credibilidade com a minha filha. Mas, o meu olhar em relação à escola nunca mais foi o mesmo.

Ah, em tempo, quero salientar que não era uma escola pública. Era uma escola particular, bastante cara, dessas que têm cinco ou seis alunos em cada sala e que a metodologia usada era a melhor possível. Mantive a minha filha na escola por mais dois anos, porque a outra dona da escola era uma pessoa muito competente e, ironicamente, foi com ela que descobri Paulo Freire, o construtivismo e a educação integral, que informa e, ao mesmo tempo, forma.  Foi ela quem fez a minha cabeça em relação à educação que eu queria para as minhas filhas. Só faltou ela fazer a cabeça da outra sócia e das funcionárias. Mas isso é uma outra história.

Ah, só para finalizar, me dei ao trabalho ir atrás dos nomes das caravelas de Cabral, que não ficaram tão famosas quanto as de Colombo. A armada que Pedro Álvares Cabral trouxe ao Brasil foi composta por treze embarcações e mais de mil homens. Com exceção dos nomes de duas naus e de uma caravela, não se sabe como se chamavam os navios comandados por Cabral. A nau principal, que era a capitânia, não tem seu nome nos registros históricos. A segunda nau, a sota-capitânia chamava-se El Rei. E sabe-se ainda o nome de uma outra nau, a Anunciada e de uma caravela, a São Pedro. Mas quem quer saber disso não é mesmo? E eu nunca mais joguei Master...

terça-feira, 13 de setembro de 2016

CARLOS MAGNO E OS 12 CAVALEIROS DA TÁVOLA REDONDA OU O REI ARTUR E O IMPÉRIO CAROLÍNGIO

                            



Era uma vez um bardo chamado Merlin, nascido da união entre um demônio e uma virgem, que era bruxo ou feiticeiro ou, como é mais comum ser chamado, um mago.  Ele ajudava o rei Uther, tanto em suas batalhas quanto nas aventuras amorosas. Ao conhecer a duquesa Igrain, esposa do duque de Tintagel, o rei Uther ficou irremediavelmente apaixonado, chegando a adoecer de tanto amor. Merlin se propôs a ajudar ao rei desde que ele lhe prometesse que o filho, fruto da união com a duquesa Igrain lhe fosse entregue para criar. Merlin queria educar a criança e prepará-lo para cumprir o seu destino porque sabia que ele iria ser o maior rei da Inglaterra.

Após o duque de Carnaval ser morto em uma batalha contra as tropas do rei Luther, sua viúva casou-se com o apaixonado rei e, o primeiro filho do casal foi entregue a Merlin, conforme o acordado.

Merlin entregou o garoto para ser criado por sir Hector, um cavaleiro empobrecido que não fazia a menor ideia da origem da criança.

Quando o garotinho estava com dois anos o seu pai verdadeiro morreu e o reino entrou em um caos total, e uma fase de muita anarquia que durou vários anos. Até que Merlin convenceu o arcebispo de Cantebury e os nobres da corte de aconteceria um milagre que determinaria quem seria o sucessor legítimo de Uther. E logo depois, no cemitério próximo à igreja apareceu uma pedra com uma espada cravada, chamada Excalibur e que trazia em sua bainha a seguinte inscrição: “quem puder me retirar desta pedra será Rei de toda Bretanha por direito de nascimento”. Desnecessário falar sobre a quantidade de nobres que tentaram, em vão, tirar a espada da pedra. Como nenhum nobre conseguiu tirar a espada, foi decidido que os cavaleiros assistentes poderiam tentar tirar a espada. O garotinho, agora com 15 anos, ainda não tinha idade para participar. Iriam participar, no entanto, Sir. Hector e Sir Kay, pai e irmão adotivos do garoto. 


Quando a competição ia começar, Sir Kay se deu conta de que estava sem a sua espada e mandou o irmão pegá-la em casa. Mas, encontrando a casa trancada ele se lembrou da espada que estava na pedra e correu para pegá-la, retirando-a com a maior facilidade. Ao receber a espada, Kay a reconheceu e mostrou ao pai e os três voltaram ao cemitério, onde recolocaram a espada e pediram ao garoto para tirá-la mais uma vez. Ao ver que ele a tirou com toda facilidade, emocionado sir Hector lhe disse que ele seria o rei de toda Bretanha. E assim depois de tirar outras vezes a espada da pedra, o garoto foi coroado rei.  Ele pacificou o reino e foi um rei justo e bom. Ao pedir a mão de Guenevere, seu pai, o rei de Cameliard ficou encantado com o pedido e não apenas lhe concedeu a mão de sua filha como lhe deu de presente uma mesa redonda que havia sindo um presente do rei Uther.

O rei mandou colocar a mesa em um grande salão do palácio e decidiu que nela sentariam seus melhores cavaleiros, que teriam que fazer um juramento de fidelidade especial ao reino de Camelot, à Igreja e aos mais nobres costumes. Nenhum dos cavaleiros que fizesse o juramento poderia fazer atos ilegais, desonestos e muito menos criminais. Nascia assim a Ordem dos Cavaleiros da Távola Redonda. O número de cavaleiros que pertenciam à Ordem varia,  indo de 12 a 150, que, segundo consta, era o número máximo que a mesa comportava.


Essa é, em resumo, a história do rei mais famoso da Inglaterra e sobre o qual, na verdade, se ouviu falar, pela primeira vez, quando o romancista inglês Thomas Mallory escreveu a sua saga, enquanto cumpria um mandato de prisão em Londres. Ele criou uma das mais fantásticas histórias sobre cavalaria e que exerceu influência em geração após geração: a lenda do Rei Artur.
Pois é, se você estava pensando que eu estava falando sobre Carlos Magno, desculpe, mas quem teve a Távola Redonda foi o rei Artur, que chegou ao trono por merecimento e, como vimos lá em cima, não admitia deslizes entre seus cavaleiros e procurou governar com justiça.

Ao contrário de Carlos Magno, imperador que viveu no século VIII e que,  após a morte do pai, dividia o reino, que ia da França à Alemanha,  com o seu irmão, Carlomano .  Com a misteriosa morte de Carlomano,  três anos após a coroação, Carlos Magno se apossou de suas terras e se tornou um imperador único, dando um golpe nos sobrinhos e não permitindo que eles tivessem acesso às terras herdadas.

Carlos Magno, ao contrário do Rei Artur, com certeza jamais criaria uma Távola Redonda, cuja ideia, ao não ter cabeceiras, era que todos tivessem direitos iguais.

E o pensamento de Carlos Magno ainda hoje é bem atual, com a valorização da hierarquia e da busca incansável pelo poder, a qualquer preço, inclusive com alto custo humano.

É por isso que, infelizmente, Carlos Magno existiu e o Rei Arthur é apenas uma doce e sonhadora lenda.

domingo, 10 de julho de 2016

PARA ONDE FOI O RESPEITO?


 Ainda está semana estava dando uma olhada no Instagran e, uma das páginas que acompanho é Pernambuco Arcaico,  que posta fotos belíssimas de muitos anos atrás.

Uma das fotos postadas esta semana foi de uma parada de ônibus, na Av. Guararapes, da década de 40. A fila era perfeita, as pessoas esperando pacientemente, sem ninguém avançando, sem fila dupla. E, vários comentários giraram em torno do fato de, na foto, dar para perceber o respeito à fila e ao ambiente pois, ao fundo, se veem paredes limpas, sem nada escrito ou rabiscado.  E então alguém pergunta: para onde foi o respeito de uns pelos outros?


Fiquei pensando exatamente nisso: Em que ponto esse respeito se perdeu?

Sim, é verdade, naquela época havia respeito às filas, aos mais velhos, aos professores, aos vizinhos, aos pais.

Até a década de 1960 a educação doméstica era muito rigorosa. Bastava um olhar mais severo da mãe ou do pai e as crianças já deixavam de lado o que estavam fazendo, só em perceber que não estava sendo aprovado. Não estou aqui para julgar se era certa ou errada a maneira como se educava até a segunda metade do século passado. Mas, não acredito que a repressão, a violência física ou os castigos dolorosos fossem uma maneira amorosa de educar.

Surtia efeito, eu sei, havia o respeito do qual estamos falando aqui e, embora a educação fosse feita de maneira equivocada, surtia efeito.  Até que, uma nova geração de adultos, fruto de cinturões usados com raiva e força, gritos, castigos de joelho em cima de caroço de milho ou coisas similares se rebelou e resolveu criar seus filhos de maneira diferente da qual foi criada. E surgia uma nova forma de educar, que, diga-se de passagem tinha ótimas intenções ao por abaixo a violência física e os castigos absurdos que, embora hoje parece absurdo, houve épocas em que até nas escolas, eram práticas admitidas.

Mas, se por um lado houve a conscientização de que os pais não têm o direito de bater em seus filhos, de maltratá-los, por outro lado, a abertura passou do ponto e o NÃO passou a ser uma palavra proibida no cotidiano das crianças. E, não sou estudiosa do assunto, não tenho autoridade nem argumentos científicos para embasar minha teoria, apenas a vivência, o acompanhamento de crianças educadas como se fossem os reis do mundo, acreditando que tudo lhes era permitido, que tudo era possível e de a sua vontade era o limite entre o certo e o errado.

Em minha opinião foi aí que o respeito ao outro se perdeu e nunca mais foi recuperado em larga escala.

Quando fumar não era proibido em quase todos os lugares, um bom exemplo da falta de respeito era os fumantes terem liberdade de fumar quando e onde quisessem, sem se importar se incomodava, se fazia mal, se havia grávidas ou crianças no ambiente ou pessoas com problemas alérgicos, como o meu caso. Quantas vezes não voltei para casa com os olhos vermelhos e ardendo e o nariz entupido, sem conseguir respirar direito porque as pessoas não se preocupavam em perguntar se alguém se incomodava com o cigarro.  
E assim era em muitas outras situações. Havia, inclusive, um ditado que dizia: os incomodados que se mudem. Poderia ser mais desrespeitoso?

E, chegamos ao século XXI vivendo em um país onde a palavra respeito deixou de fazer parte do dicionário faz muito tempo.  E isso acontece em todos os níveis, desde os sociais aos profissionais. É o motorista de ônibus que não respeita os idosos, que queimas paradas, sãos os passageiros jovens que sentam nos locais destinados aos idosos e não levantam, os médicos que deixam os pacientes esperando horas nos consultórios para serem atendidos, os políticos corruptos que se apropriam do dinheiro público, os funcionários públicos que atendem mau aos usuários, como se estivessem lhes fazendo um favor, os autoritários que não se importam com o que os outros realmente querem, os perdedores que não aceitam a decisão da maioria, enfim.

Em resumo, vivemos em 2016 em um país onde idosos deveriam ser descartados para morrerem sozinhos e não incomodarem, crianças, criadas sem limites, se sentem livres para gritar, perturbar onde e quando quiserem, colégios fazem festas em quadras abertas com um volume de som como se só houvesse eles nas redondezas e os vizinhos que se virem para tentar abafar o barulho infernal que fazem, jovens que veem esse exemplo nos colégios e fazem o mesmo em suas casas e apartamentos, bares que tocam música alta até a madrugada, apartamentos que fazem consertos barulhentos à noite em final de semana, sem permitir aos vizinhos momentos de descanso, motoristas que estacionam em portões e saem, estando nem aí para os moradores que chegam e querem entrar.

No momento em que escrevo este artigo, no colégio ao lado de meu prédio está havendo um evento, uma festa, o que seja, com um som bastante alto e que, em plena noite de domingo, não nos permite um pouco de paz e descanso para começarmos bem a semana.

Não há respeito pelos deficientes, pelos gordos, pelos muito magros, pelos mais pobres, pelos menos inteligentes ou pelos que gostam muito de estudar. Ridiculariza-se os Nerds, os ingênuos, os que não querem levar vantagem em tudo, os que, sendo a exceção da regra, agem com respeito, aos outros, aos animais, às situações enfim.

Estaciona-se em fila dupla, joga-se lixo pelas janelas, nas praias, menosprezam-se as pessoas mais simples, torce-se o nariz para quem não tem carro ou roupa de grife, depreda-se a natureza sem nenhum remorso ou pudor.

E, acima de tudo, não se respeita as diferenças. Ou as pessoas pensam como se quer ou então passa para nossa lista negra. E, a partir daí, tudo é possível: delações, intrigas, fofocas, desprezo.

Esse é o Brasil de hoje, essa é a nossa Pátria, já não tão amada, dilapidada, desconstruída, desfazendo-se, pouco a pouco, por falta de uma coisa tão simples: respeito.

Se os limites dados antigamente pelos pais à base de cinturadas e maus tratos funcionava, embora fosse uma forma deplorável de educar os filhos, a falta de limites, a permissividade desenfreada, a abolição da palavra NÃO, com certeza não está funcionando. Nenhuma dessas duas formas de educar é uma forma de amar os filhos.

Diante de tantas campanhas ecológicas para salvarmos o planeta terra, penso naquela conhecida frase que diz que devemos nos preocupar com que filhos vamos deixar para o mundo.

Enquanto não nos preocuparmos com isso, não acredito que esse tal de respeito volte ao dicionário e à prática de vida dos brasileiros.

Educar com amor, é tão simples, tão prático, tão essencial. Basta isso. Porque quem ama, quer o melhor para seus filhos. E, com toda certeza, o melhor para os nossos filhos é viver em um país, em um mundo, onde haja respeito.



terça-feira, 10 de maio de 2016

QUAL A SAÍDA POLÍTICA?


 por Frei Betto


      A deposição de Dilma me cheira a golpe parlamentar, à semelhança do que ocorreu em Honduras e no Paraguai. O governo dela, neste início do segundo mandato, não corresponde ao êxito alcançado no primeiro. Contudo, foi democraticamente eleito e eu, que o critico, não cedo ao oportunismo que se empenha em quebrar os limites entre oposição e deposição.

      Aceitar que antipatia e fracasso administrativo devam ter mais peso que princípios constitucionais é admitir o retrocesso, e jogar o Brasil e a América Latina na cartografia das “repúblicas de bananas”, tão em voga no continente na primeira metade do século XX.

      Meu desconforto é óbvio. Não vejo saída para a emancipação brasileira dentro de nossa atual institucionalidade política. Eleições gerais? Seria uma boa medida se um Tiririca não pudesse alçar ao parlamento figuras que se valem da distorção do quociente eleitoral sem sequer terem contado com os votos da própria família!

      E, entre tantos candidatos, quem encarna um programa consistente de reformas estruturais? Vale trocar o seis por meia dúzia?

      Tivesse o PT valorizado, ao longo dos últimos 13 anos, as lideranças populares de esquerda, hoje teríamos um Congresso progressista e com muito menos figuras ridículas. No entanto, preferiu alianças não confiáveis das quais agora é vítima.  

      As forças políticas progressistas precisam se redefinir no Brasil. Estabelecer um programa mínimo de libertação nacional, sem o que continuaremos reféns dessa política de efeitos, e não da política capaz de alterar as causas das anomalias nacionais.

      É preciso romper o ciclo viciado da política de resultados e redefinir uma política de princípios capaz de mirar além das urnas, do neoliberalismo e dessa fase histórica do capitalismo.

      Se a esquerda brasileira não resgatar a utopia libertária, nosso horizonte ficará limitado a este ou aquele candidato, num círculo dantesco de êxitos e decepções, avanços e recuos.

      A idade adulta de democracia tem nome: socialismo. Mas de tal maneira o inimigo esconjura tal nome, que temos medo de pronunciá-lo. Ainda não nos recuperamos da queda do Muro de Berlim. Coramos de vergonha frente ao capitalismo de Estado adotado pela China e o hermetismo idólatra da Coreia do Norte.

      Ora, não se trata de suportar o peso da culpa de tantos erros cometidos pelo socialismo, embora a América Latina abrigue a única experiência vitoriosa, Cuba. Trata-se de dissecar a verdadeira face do capitalismo repleta de atrocidades, misérias, exploração neocolonial, guerras e degradação ambiental.

      Qual é o “outro mundo possível”? Onde estará a senda do “bem viver”? O caminho se faz ao caminhar. E uma certeza eu guardo: fora do mundo dos pobres e de seu protagonismo político os progressistas sempre correrão o risco de segurar o violino com a esquerda e tocá-lo com a direita.

Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.

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Maria Helena Guimarães Pereira
MHP Agente Literária - Assessoria


sexta-feira, 6 de maio de 2016

POBRE E PODRE POLÍTICA

por Frei Betto




       Pobre política dos tapinhas nas costas, das mãos ansiosas por punhais sob sorrisos amarelos, dos potes de mágoas derramados no coração.

       Pobre política dedicada cinicamente ao papai, à mamãe e ao filhinho, e das maledicências esgueirando-se por gabinetes, a corroer dignidades, esgarçar patrimônios morais e aspergir cizânia nos campos da decência.

       Pobre política da pose maquiada para a foto, abraço descosturado de afetos, olhar altivo, o "papagaio-de-pirata" empoleirado sobre o alpiste da fatura de votos.

       Pobre política das entrevistas repletas de palavras e vazias de sentido, dos discursos adjetivados de promessas vãs, das recepções encharcadas de venenos retóricos, das audiências purgatoriais, das homenagens alinhavadas às costas pelo próprio homenageado.

       Pobre política que soma votos subtraindo princípios, faz conchavos inconfessáveis e promove acertos guardados no cofre de sigilos inomináveis. E das coligações órfãs de projetos, do balcão empregatício, dos presentes perfumados de sedução.

       Pobre política da clonagem de salários e remunerações, vantagens e voragens, garimpeira de influências e alpinista luxenta de quem abomina a própria origem.

       Pobre política da voz elevada, rebaixando secretárias e contínuos, da máscara da autoridade cuspindo fel, da pessoa refém da função, do apego desmesurado ao poder, da mendicância cotidiana de atenções e agrados.

       Pobre política das portas trancadas à turba que perturba, dos tapetes alérgicos à poeira das sandálias e botinas, das cerimônias que içam o ego e afogam o dever de bem governar.
       Pobre política a sacrificar, no altar da pátria, a vida em família, o lazer, as amizades. E que impede o prazer de nada fazer, só ser.

       Pobre política do corporativismo eleitoreiro, do repasse escuso de recursos, do partido de aluguel, do caixa dois e do silêncio dos inocentes.

       Pobre política da conquista iníqua de bens sonegados aos pobres, das mesuras cínicas, das mulheres convidadas a emoldurar a sala, da atitude déspota de quem sequer cumprimenta ascensoristas, motoristas, porteiros e garçons.

       Pobre política destituída de conteúdos históricos, atolada na rasteira trivialidade de costuras inócuas, indiferente ao sacrifício e à luta de tantos que padeceram para imprimir à convivência entre humanos a marca gêmea da liberdade e da justiça.

       Pobre política da competição mesquinha, cega aos horizontes utópicos, enredada na burocracia farisaica que coa mosquitos e engole camelos, farsa pusilânime que, no proscênio, esconde a tragédia de tantas esperanças fraudadas.

       Pobre política dos discursos desajuizados, proferidos na veemência despida de ética, ecoando rancores. E das aleivosias moldadas pela conveniência, disfarçadas de firmeza enquanto os pés chafurdam no lodo das negociatas.

       Pobre política da veneração desmesurada ao poder, do desfibramento ideológico, da despolitização dos eleitores, da indigência de estratégias imunes ao calendário do próximo pleito.

       Pobre política da prepotência de quem ignora que cargos não alongam estaturas, nem a moral, e enche o peito de virtuais medalhas concedidas pela própria vaidade de quem se julga acima da média.

       Pobre política insensível à dor inaudível, ao tresloucado no trampolim do desespero, ao endividado, ao demente, e ao que, embaixo do viaduto, aguarda a intervenção divina.

       Pobre política? Podre política, enquanto não sofrer profunda reforma.


Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. 

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