Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

HISTÓRIA DAS CANÇÕES - CHICO BUARQUE



Este é o titulo do recente livro de Wagner Homem que conta as histórias por trás da obra de Chico Buarque. A ideia partiu de um amigo do autor, Sérgio Nogueira, que acabou se afastando do projeto, mas nunca deixou de incentivar o parceiro nessa empreitada.
Wagner Homem conheceu Chico Buarque em 1989, quando colaborou como o livro Chico Buarque Letra e Música, editado pela Companhia da Letras.
Tempos depois, em 1998, sugeriu a Chico a produção de um site pessoal, contendo toda sua obra.
Vale registrar que o site oficial de Chico Buarque (www.chicobuarque.com.br) ganhou por três anos consecutivos o prêmio iBest, concurso de websites corporativos e pessoais, criado em 1995, para incentivar as iniciativas do mercado que acabava de nascer, e, hoje, tornou-se mania nacional.
Com prefácio de Toquinho o livro já está entre os dez mais vendidos de acordo com a revista Época.
Recebendo críticas elogiosas da imprensa em geral, o livro é um tributo ao nosso compositor soberano e um presente para todos nós que sabemos apreciar a genialidade de Chico Buarque.
O livro pode ser encontrado na Livraria Cultura.

Eu vi e ouvi Mercedes Sosa no lotado Teatro Guararapes, na libertária Olinda!

Texto escrito pela escritora Jussara Kouryh*, minha querida amiga e companheira na mistura de letras.



O palco estava desnudo. As cortinas pretas fechadas não nos permitiam, sequer, imaginar o que escondiam, que dirá prevê nuances do espetáculo.

A frente da opacidade dos panos apenas uma poltrona de palha
(era a impressão de longe),
Uma estante de partitura
Um microfone,
As caixas de retorno.
Nada além.

A platéia, por vezes atenta àquele negrume, por vezes atenta a si mesma na catação de seu assento, por vezes caçando amigos, amores, amantes, cujos encontros e reencontros para ali haviam sido marcados...

E o burburinho se fazia ouvir sem se transformar em balburdia.

Era uma quieta ansiedade. O gongo soou o primeiro toque. As pessoas começaram a ter pressa, pressa para os encontros. Os dois outros toques...
Os três últimos toques.
Silêncio.
Apenas o movimento dos panos pretos mostrando o que tanto escondiam: um piano e seu pianista, um violão e seu violonista, um baixo e seu baixista, uma bateria e seu baterista... ou seria inversa a ordem?
Um pianista e seu piano, um violonista e seu violão, um baixista e seu baixo, um baterista e sua bateria...
A ordem, neste caso, diz nada tal a sintonia entre um e outro a ponto de não sabermos onde começa um e finda o outro...
Eles, instrumentistas e instrumentos, são únicos, são a música!
As luzes os focaram sem produzir sombras. E eis que entra uma mulher alquebrada pelo tempo, em passos lentos e trôpegos, apoiada a um homem alto que, delicadamente, a conduziu à cadeira de palha.
E nós, como se tivéssemos ensaiado meses a fio, com um rigor técnico apresentado, talvez, nos jogos de Pequim, levantamo-nos a um só momento e aplaudimos, aplaudimos, aplaudimos ...
Ela parecia nos fitar um a um, como se quisesse guardar nossas caras. Talvez, não! Guardou no seu olhar, o brilho de nossos olhos.
Agradeceu. Disse que a havíamos emocionado.
Sentou.
Soltou a voz!
Conduziu-nos por uma viagem pela América Latina, lembrou dos nossos, das nossas lutas e, com o chão do teatro salpicado por luzes verdes, amarelas e azuis, nos reintroduziu no “coração de estudante” para re-significarmos nossas conquistas e reafirmarmos nossa disposição de lutar por um mundo decorações livres daquilo que subtrai nossa humanidade.
E sua força – da voz e dos ideais – suplantou a envergadura dos anos!
Eu vi e ouvi Mercedes Sosa no lotado teatro dos Guararapes, na libertária e histórica Olinda!

JUSSARA KOURYH - Autora de diversos livros, sendo o mais recente: "Josenildo Sinesio - Da Aridez da Terra ao Ventre da Cidade - Uma História de Fé e Compromisso".

sábado, 3 de outubro de 2009

ELE VINHA SEM MUITA CONVERSA ....

Ele compunha, tocava e cantava e falava de mar, de lua, de trem e de amores, perdidos, achados, amados enfim.

Seu olhar, claro como o dia, sorria tímido, como tímido era o sorriso que se esboçava em sua boca ávida por anunciar um novo dia chegando, querendo acreditar que ele iria raiar, só porque sua cantiga anunciou.

Foi assim que, lá pelos idos de 1966, assisti deslumbrada, no alto dos meus 11 anos, a um jovem meio sem jeito, encantar a todos que ouviam a banda passar.

 Olhos grudados na TV, tão em preto e branco quanto o retrato que o maestro soberano ajudaria a colecionar um pouco mais tarde, vi as imagens do Festival de Música Popular Brasileira invadir as casas e os corações dos brasileiros que torciam por suas músicas preferidas, aprendiam as letras e cantavam, todos juntos, como um coro gigantesco ecoando Brasil afora, pra ver a banda passar, tocando coisas de amor.

Pedro Pedreiro esperava o trem, enquanto ninguém chegava do mar. Mas e Cristina, será que ela volta? Talvez fosse no nó de marinheiro de Nicanor que Carolina pensasse, com seus olhos tristes e por isso, não visse o tempo passar por sua janela, que bem poderia estar ao lado de Januária, pra onde o sol apontava.

Um tempo que foi construído tijolo por tijolo em um desenho mágico, esperando o carnaval chegar, mas, ao contrário do velho que deixou a vida sem bagagem, aquele moço de olhos vivos escreve a sua história e a história de seu tempo, cantando a vida, sendo cada música ela própria, uma história.

Um tempo que foi passando e o moço acompanhando, de dentro do bonde da história, porque este, ele nunca perdeu.

Exilado, sabia que voltaria para o seu lugar, para ouvir de novo a Sabiá. De lá, pediu perdão por uma omissão que nunca teve, sempre presente aos mais importantes momentos da luta pela redemocratização do país, denunciando, com graça e poesia, as mazelas de um povo cerceado, amordaçado, que sofria com a tortura, com a miséria, com o atraso.

Perseguido pela censura, dava asas à imaginação e, de uma forma ou de outra, conseguia burlar a pouca “inteligência” reinante à época da ditadura militar.

Político, cronista, amante, trovador, malandro, assim foram divididas as suas canções em uma coleção de cinco CDs, lançados há alguns anos. Mas nem de longe, esta coleção, ou esta classificação, fez jus ao talento, à criatividade, à poesia deste grande artista.

Algumas músicas de Chico, são verdadeiras pérolas, de simetria, de musicalidade, de conteúdo. O fato de ser filho de um historiador, com certeza contribuiu para que em suas letras, encontremos um pouco da cultura do povo brasileiro.

Chico escreveu valsa, samba, baião, frevo, opereta, música popular brasileira da "melhor qualidade", como costuma dizer uma amiga minha. Cantou o amor em "língua de criança, cantou para as irmãs, homenageou a família, os compositores e cantores e cantoras brasileiros, compôs versos que podem ser cantados de frente para trás, dispostos livremente, de acordo com a preferência de quem for cantar. Homenageou o operário da Construção. Homenageou, ao mesmo tempo que denunciou como vivem os menores abandonados o adolescente levado ao crime, o emigrante nordestino e os moradores das ruas. Cantou ao amor eterno. E os sonhos? Alguém terá cantado com mais propriedade?

Declarou em versos e música o amor à sua mulher e à filha que ia chegar. Cantou as filhas e o neto.

Fez versões, traduziu escreveu peças musicais.

Misturando poesia e denúncia, amor e saudade, alegria e tristeza, Chico vem dando o seu recado, ao longo de todos esses anos de carreira. E olha que lá se vão quatro décadas. E teve dezenas de parceiros maravilhosos, maestros soberanos, poetinhas e muito mais.

Menestrel, trovador, romântico, contestador, subversivo, qualquer que seja o estilo, qualquer que seja o parceiro, qualquer que seja a fase, a obra de Chico é inigualável.

Mesmo que não lance discos com a freqüência, que faça um show por década, nada disso tem importância. Porque Chico não é um artista que precise ficar compondo freneticamente para não perder os fãs.

Chico não é para ser simplesmente ouvido ou cantado. É para ser apreciado e, por que não dizer, degustado?

As letras de Chico Buarque, são como um vinho de safra especial: têm que ser sorvidas com calma, saboreando cada palavra, deixando-se inebriar por elas, descobrindo o prazer que elas proporcionam ao ouvido e à alma... como o “sol que ensolarará a estrada dela, a lua alumiará o mar”, há que se deixar invadir.

Este é Chico: genial, talentoso, único e generoso, tão generoso que distribui com o mundo o seu talento.

Ah! E não é que eu já ia me esquecendo: Acorda amor, é o Julinho da Adelaide.
Mas isso, já uma outra história.