Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Eu vi e ouvi Mercedes Sosa no lotado Teatro Guararapes, na libertária Olinda!

Texto escrito pela escritora Jussara Kouryh*, minha querida amiga e companheira na mistura de letras.



O palco estava desnudo. As cortinas pretas fechadas não nos permitiam, sequer, imaginar o que escondiam, que dirá prevê nuances do espetáculo.

A frente da opacidade dos panos apenas uma poltrona de palha
(era a impressão de longe),
Uma estante de partitura
Um microfone,
As caixas de retorno.
Nada além.

A platéia, por vezes atenta àquele negrume, por vezes atenta a si mesma na catação de seu assento, por vezes caçando amigos, amores, amantes, cujos encontros e reencontros para ali haviam sido marcados...

E o burburinho se fazia ouvir sem se transformar em balburdia.

Era uma quieta ansiedade. O gongo soou o primeiro toque. As pessoas começaram a ter pressa, pressa para os encontros. Os dois outros toques...
Os três últimos toques.
Silêncio.
Apenas o movimento dos panos pretos mostrando o que tanto escondiam: um piano e seu pianista, um violão e seu violonista, um baixo e seu baixista, uma bateria e seu baterista... ou seria inversa a ordem?
Um pianista e seu piano, um violonista e seu violão, um baixista e seu baixo, um baterista e sua bateria...
A ordem, neste caso, diz nada tal a sintonia entre um e outro a ponto de não sabermos onde começa um e finda o outro...
Eles, instrumentistas e instrumentos, são únicos, são a música!
As luzes os focaram sem produzir sombras. E eis que entra uma mulher alquebrada pelo tempo, em passos lentos e trôpegos, apoiada a um homem alto que, delicadamente, a conduziu à cadeira de palha.
E nós, como se tivéssemos ensaiado meses a fio, com um rigor técnico apresentado, talvez, nos jogos de Pequim, levantamo-nos a um só momento e aplaudimos, aplaudimos, aplaudimos ...
Ela parecia nos fitar um a um, como se quisesse guardar nossas caras. Talvez, não! Guardou no seu olhar, o brilho de nossos olhos.
Agradeceu. Disse que a havíamos emocionado.
Sentou.
Soltou a voz!
Conduziu-nos por uma viagem pela América Latina, lembrou dos nossos, das nossas lutas e, com o chão do teatro salpicado por luzes verdes, amarelas e azuis, nos reintroduziu no “coração de estudante” para re-significarmos nossas conquistas e reafirmarmos nossa disposição de lutar por um mundo decorações livres daquilo que subtrai nossa humanidade.
E sua força – da voz e dos ideais – suplantou a envergadura dos anos!
Eu vi e ouvi Mercedes Sosa no lotado teatro dos Guararapes, na libertária e histórica Olinda!

JUSSARA KOURYH - Autora de diversos livros, sendo o mais recente: "Josenildo Sinesio - Da Aridez da Terra ao Ventre da Cidade - Uma História de Fé e Compromisso".

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