Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

PMDB: HAY GOBIERNO, SOY A FAVOR!

por  Frei Betto

    
Ei-lo: o Partido do Movimento Democrático Brasileiro à frente do poder legislativo brasileiro: o Senado (Renan Calheiros) e a Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha). Os dois, investigados pela  Lava-Jato! Nem na Roma antiga, republicana, tal fenômeno parecia possível. Em nome da divisão de poderes, as famílias nobres cultuavam a diversidade como antídoto ao absolutismo. Aqui não; a cobra fuma e engole a fumaça.

     O PMDB pulou fora do barco do governo e se joga nos braços da oposição. De fato, é um partido repartido em tendências inclusive antagônicas. Nele há de tudo, desde o testemunho ético de um Pedro Simon às recorrentes denúncias de corrupção que historicamente pesam sobre alguns de seus líderes. Ele pratica, mais que a democracia, a demoarquia, originária do verbo grego archein, que significa ser o primeiro, estar à frente, no sentido de comandar processos.

     Quem diria que o PT seria politicamente atropelado pelo trator do partido dirigido por aqueles que aprenderam a conjugar assim o verbo poder: eu posso, tu podes, ele pode; nós podemos, vós não podeis e eles não podem, a menos que rezem pela nossa cartilha e favoreçam nossos interesses corporativos. É a corporocracia.

     Ora, pra que debater a alternativa parlamentarista? Ou quem sabe estamos, sem nos dar conta, em plena monarquia! A família peemedebista se perpetua nas instâncias do poder com direito a conceder a correligionários e aliados cargos e prebendas.

     Haja o que houver, estamos em mãos do mais despudorado fisiologismo, cujos discursos sobrevoam eloquentemente as práticas do clientelismo e do compadrio. Se o mundo gira e a Lusitana roda, os governos se sucedem e o PMDB impera. Hay gobierno, soy a favor, grita a ala dos peemedebistas acostumada a mamar nas tetas da máquina pública...

     E o que tanto aspira este partido que jamais soçobra nas turvas águas da conjuntura? Como é possível contracenar com a ditadura e celebrar a democracia? Ora, basta dar a presidência do antigo partido de suposta oposição à ditadura, o MDB, ao presidente da Arena, José Sarney, partido de defesa da ditadura...

     O PMDB persegue uma só meta, um só objetivo, tem uma só ambição: o poder. Se muitos sucumbem às tentações do poder, do dinheiro e do sexo, a ala fisiologista do PMDB, se vivesse no Paraíso, não teria caído no conto da maçã, e sim tentado convencer Javé de que o mundo seria melhor tendo-a como braço direito.

            Coitado do doutor Ulysses! Conta Homero, na Odisseia, que Ulisses encontrou, na Ilha das Sereias, curiosas criaturas com cabeças e vozes de mulheres, mas com corpos de pássaros que, com doces canções, atraíam marinheiros ao encontro das rochas. Quando o barco se aproximou, uma calmaria se abateu sobre o mar, e a tripulação utilizou os remos. De acordo com as instruções de Circe, Ulisses tampou os ouvidos da tripulação com cera, enquanto ele próprio foi amarrado ao mastro, de modo que pudesse ouvir a canção e passar a salvo pelo perigo. "Aproxime-se Ulisses!", cantavam as sereias. Ulisses resistiu, mas quantos, a bordo do transgoverno chamado PMDB, são capazes de tampar os ouvidos ao canto das sereias?

     Narra ainda Homero que Penélope, fiel esposa de Ulisses, resistiu a todos os pretendentes, até que surgisse um homem capaz de atirar com o arco que Ulisses tendeu. Nenhum deles o conseguiu. Até o dia em que um mendigo pediu para atirar e, na mesma hora, Penélope reconheceu nele seu amado Ulisses.

     A democracia brasileira espera, como Penélope, o dia em que possa reconhecer sua plenitude na inclusão social daqueles que, hoje, se nos apresentam como maltrapilhos e oprimidos.

Frei Betto é escritor, autor do romance “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.


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