por Frei Betto
O PMDB pulou
fora do barco do governo e se joga nos braços da oposição. De fato, é um partido
repartido em tendências inclusive antagônicas. Nele há de tudo, desde o
testemunho ético de um Pedro Simon às recorrentes denúncias de corrupção que
historicamente pesam sobre alguns de seus líderes. Ele pratica, mais que a
democracia, a demoarquia, originária do verbo grego archein, que
significa ser o primeiro, estar à frente, no sentido de comandar processos.
Quem diria
que o PT seria politicamente atropelado pelo trator do partido dirigido por
aqueles que aprenderam a conjugar assim o verbo poder: eu posso, tu podes, ele
pode; nós podemos, vós não podeis e eles não podem, a menos que rezem pela
nossa cartilha e favoreçam nossos interesses corporativos. É a corporocracia.
Ora, pra que
debater a alternativa parlamentarista? Ou quem sabe estamos, sem nos dar conta,
em plena monarquia! A família peemedebista se perpetua nas instâncias do poder
com direito a conceder a correligionários e aliados cargos e prebendas.
Haja o que
houver, estamos em mãos do mais despudorado fisiologismo, cujos discursos
sobrevoam eloquentemente as práticas do clientelismo e do compadrio. Se o mundo
gira e a Lusitana roda, os governos se sucedem e o PMDB impera. Hay
gobierno, soy a favor, grita a ala dos peemedebistas acostumada a mamar nas
tetas da máquina pública...
E o que
tanto aspira este partido que jamais soçobra nas turvas águas da conjuntura?
Como é possível contracenar com a ditadura e celebrar a democracia? Ora, basta
dar a presidência do antigo partido de suposta oposição à ditadura, o MDB, ao
presidente da Arena, José Sarney, partido de defesa da ditadura...
O PMDB
persegue uma só meta, um só objetivo, tem uma só ambição: o poder. Se muitos
sucumbem às tentações do poder, do dinheiro e do sexo, a ala fisiologista do
PMDB, se vivesse no Paraíso, não teria caído no conto da maçã, e sim tentado
convencer Javé de que o mundo seria melhor tendo-a como braço direito.
Coitado do doutor
Ulysses! Conta Homero, na Odisseia, que Ulisses encontrou, na Ilha
das Sereias, curiosas criaturas com cabeças e vozes de mulheres, mas com corpos
de pássaros que, com doces canções, atraíam marinheiros ao encontro das rochas.
Quando o barco se aproximou, uma calmaria se abateu sobre o mar, e a tripulação
utilizou os remos. De acordo com as instruções de Circe, Ulisses tampou os
ouvidos da tripulação com cera, enquanto ele próprio foi amarrado ao mastro, de
modo que pudesse ouvir a canção e passar a salvo pelo perigo. "Aproxime-se
Ulisses!", cantavam as sereias. Ulisses resistiu, mas quantos, a bordo do
transgoverno chamado PMDB, são capazes de tampar os ouvidos ao canto das
sereias?
Narra ainda
Homero que Penélope, fiel esposa de Ulisses, resistiu a todos os pretendentes,
até que surgisse um homem capaz de atirar com o arco que Ulisses tendeu. Nenhum
deles o conseguiu. Até o dia em que um mendigo pediu para atirar e, na mesma
hora, Penélope reconheceu nele seu amado Ulisses.
A democracia
brasileira espera, como Penélope, o dia em que possa reconhecer sua plenitude
na inclusão social daqueles que, hoje, se nos apresentam como maltrapilhos e
oprimidos.
Frei Betto é escritor, autor do
romance “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
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