por Frei
Betto
Pobre política dos tapinhas nas costas, das mãos ansiosas por punhais sob
sorrisos amarelos, dos potes de mágoas derramados no coração.
Pobre política dedicada cinicamente ao papai, à mamãe e ao filhinho, e das
maledicências esgueirando-se por gabinetes, a corroer dignidades, esgarçar
patrimônios morais e aspergir cizânia nos campos da decência.
Pobre política da pose maquiada para a foto, abraço descosturado de afetos,
olhar altivo, o "papagaio-de-pirata" empoleirado sobre o alpiste da
fatura de votos.
Pobre política das entrevistas repletas de palavras e vazias de sentido, dos
discursos adjetivados de promessas vãs, das recepções encharcadas de venenos
retóricos, das audiências purgatoriais, das homenagens alinhavadas às costas
pelo próprio homenageado.
Pobre política que soma votos subtraindo princípios, faz conchavos
inconfessáveis e promove acertos guardados no cofre de sigilos inomináveis. E
das coligações órfãs de projetos, do balcão empregatício, dos presentes
perfumados de sedução.
Pobre política da clonagem de salários e remunerações, vantagens e voragens,
garimpeira de influências e alpinista luxenta de quem abomina a própria origem.
Pobre política da voz elevada, rebaixando secretárias e contínuos, da máscara
da autoridade cuspindo fel, da pessoa refém da função, do apego desmesurado ao
poder, da mendicância cotidiana de atenções e agrados.
Pobre política das portas trancadas à turba que perturba, dos tapetes alérgicos
à poeira das sandálias e botinas, das cerimônias que içam o ego e afogam o
dever de bem governar.
Pobre
política a sacrificar, no altar da pátria, a vida em família, o lazer, as
amizades. E que impede o prazer de nada fazer, só ser.
Pobre política do corporativismo eleitoreiro, do repasse escuso de recursos, do
partido de aluguel, do caixa dois e do silêncio dos inocentes.
Pobre política da conquista iníqua de bens sonegados aos pobres, das mesuras
cínicas, das mulheres convidadas a emoldurar a sala, da atitude déspota de quem
sequer cumprimenta ascensoristas, motoristas, porteiros e garçons.
Pobre política destituída de conteúdos históricos, atolada na rasteira
trivialidade de costuras inócuas, indiferente ao sacrifício e à luta de tantos
que padeceram para imprimir à convivência entre humanos a marca gêmea da
liberdade e da justiça.
Pobre política da competição mesquinha, cega aos horizontes utópicos, enredada
na burocracia farisaica que coa mosquitos e engole camelos, farsa pusilânime
que, no proscênio, esconde a tragédia de tantas esperanças fraudadas.
Pobre política dos discursos desajuizados, proferidos na veemência despida de
ética, ecoando rancores. E das aleivosias moldadas pela conveniência,
disfarçadas de firmeza enquanto os pés chafurdam no lodo das negociatas.
Pobre política da veneração desmesurada ao poder, do desfibramento ideológico,
da despolitização dos eleitores, da indigência de estratégias imunes ao
calendário do próximo pleito.
Pobre política da prepotência de quem ignora que cargos não alongam estaturas,
nem a moral, e enche o peito de virtuais medalhas concedidas pela própria
vaidade de quem se julga acima da média.
Pobre política insensível à dor inaudível, ao tresloucado no trampolim do
desespero, ao endividado, ao demente, e ao que, embaixo do viaduto, aguarda a
intervenção divina.
Pobre política? Podre política, enquanto não sofrer profunda reforma.
Frei
Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros
livros.
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