Sempre
que leio ou ouço alguma coisa sobre o
Brasil estar se preparando para ser do primeiro mundo, eu me questiono sobre todo esse conceito. Há
a preocupação com "tecnologia de primeiro mundo", "carro de
primeiro mundo" etc etc.
Mas
será que para ser um "país de primeiro mundo", bastaria ao Brasil ser
desenvolvido econômica e tecnologicamente ? Ou ser um "país de
primeiro mundo" vai muito além
disto?
Moro
em um prédio espremido entre um colégio e um enorme edifício que praticamente
"abraça o meu. Durante o dia, o colégio faz um barulho tão grande, que me
questiono com relação à aprendizagem dos alunos do lá. O colégio que é de tamanho digamos assim de médio a pequeno
porte, mas com mania de grandeza, para qualquer aviso, ensaio ou similares,
usa em sua quadra (colada ao muro do meu
prédio) um sistema de som, que acreditem, seria adequado ao Geraldão. Para o
tamanho da quadra, nem seria preciso microfone para dar avisos.
Quando
têm festas então, é o começo do caos. As caixas de som são tão potentes, que as
janelas dos quartos vibram, quando começam a tocar. Nesses dias, não se pode
ouvir uma música, uma TV, até conversar fica difícil, em nosso prédio. Para
dormir então, é impossível, mesmo com todo o apartamento fechado e ar
condicionado ligado. Graças a Deus, as
festas noturnas não são todos os dias, como o são o recreio e jogos.
Mas,
quando não há festas e o colégio finalmente silencia, começa o turno do prédio
vizinho, onde crianças e adolescentes ligam o seu som e se deleitam ouvindo o
que há de mais irritante e de mau gosto na música da atualidade. Seus pais, com
certeza, do outro lado do prédio, descansam tranqüilamente, assistem à sua TV
sem serem perturbados, enquanto nós, os
vizinhos, que temos o "privilégio" de nossas salas serem ao lado da
piscina deles, para conversarmos ou assistirmos ao jornal, temos que nos
trancar no quarto. Isso se tivermos sorte e a criançada não estiver correndo em
bando e gritando como loucas, na parte do prédio delas que se avizinha aos quartos do nosso.
Dia
desses, depois das 22h., enquanto eu tentava dormir com toda a gritaria que
vinha do lado de fora, fiquei pensando nessa história de primeiro mundo. Para
mim, isso vai realmente muito além. Envolve cultura e educação do povo. Uma
educação que o povo brasileiro está ainda muito longe de ter.
Quando
falo em educação, não me restrinjo à educação escolar que sabemos, é capenga.
Da mesma forma que se aspira ao primeiro mundo, deixando-se de lado a miséria
que assola o país, deixa-se também de lado os conceitos básicos de respeito e
cidadania.
Cada
vez que alguém pára em um sinal vermelho, mesmo que do outro lado não venha
nenhum carro, está agindo com respeito às leis e exercendo a sua cidadania.
Mas, atrás desta pessoa, sempre haverá alguém impaciente, buzinando no primeiro
segundo em que o sinal vai abrindo. Se o sinal está aberto e paramos para não
fechar o cruzamento, para muitos, quem
parou é "idiota" porque está atrapalhando a vida dos outros. É a tal
famigerada "Lei de Gérson", que impinge a quem cumpre a lei a marca
de "babaca" e a quem a burla sem punição, a marca
"gloriosa" da esperteza.
O
futuro será diferente de hoje? Quem ensinará às crianças e adolescentes de hoje
a ter respeito por seus semelhantes, se nem nos colégios, nem em muitas casas
elas estão aprendendo isso? Um colégio que ignora os apelos dos vizinhos e
continua fazendo seu barulho à vontade, está mostrando o que aos seus alunos?
Que a liberdade deles nunca terminará, não importa onde começa a do outro. E em
casa, pelo visto, o conceito é o mesmo. Se as crianças querem se divertir,
mesmo que incomodando os vizinhos, ninguém tem nada a ver com isso. Afinal,
para onde foi o velho ditado “os incomodados que se mudem”?
É
claro que estou generalizando e que existem raríssimas exceções, onde escolas
ensinam aos seus alunos a serem realmente cidadãos. E há algumas poucas
famílias que também têm essa preocupação com relação aos filhos.
Mas
quando soube que em Viena, nos prédios durante a noite não permitido dar descarga
no banheiro, para não incomodar os vizinhos, confesso que cheguei a achar até
engraçada essa minha pretensão de nós, brasileiros, um dia fazermos parte de um
grupo de pessoas, aonde o respeito ao outro chega a este nível de precaução.
É
lamentável que, a maioria da população brasileira viva como se não existisse
ninguém do lado, preocupados apenas como "o próprio umbigo". E nessa perspectiva de centro do universo,
vai-se fazendo ultrapassagens perigosas, virando-se à esquerda em locais
proibidos, avançando-se sinais, fechando-se cruzamentos, furando filas, fumando
em locais fechados e fazendo-se cada vez mais barulho, obrigando o mundo a
conviver com o que se gosta, e que na
maioria das vezes é de gosto duvidoso. Por que, afinal de contas, uma boa
educação doméstica, invariavelmente, está ligada a um bom gosto, logo, quem
ouve boa música, só a compartilhará com os vizinhos, se estes estiverem em sua
casa, jamais na casa deles, por tabela.
Para
a maior parte dos brasileiros, para chegar à cidadania, falta ainda emprego,
comida, saúde e educação escolar.
Mas
para quem tem tudo isso, o caminho poderia estar bem mais perto. Mas,
infelizmente, essa ainda não é a nossa realidade. Estamos vivendo uma era
desastrosa para o nosso país, em meio a tantas revelações desagradáveis, tanta
corrupção, com tantos jovens que votaram pela primeira vez sem o menor
estímulo, e que olham, assustados, para o futuro do país, sem esperar grandes
melhorias. Que bom seria que surgissem pessoas dispostas a investir nesse atalho
esquecido, no caminho para o primeiro mundo: o do respeito por si mesmo e por
seus semelhantes.
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