Cansadas de viverem sozinhas, de vez em quando as letras resolvem se misturar na cabeça de algumas pessoas e, juntas, formam palavras, que formam textos que, dependendo do momento e da imaginação de cada um, tornam-se contos, ensaios, críticas ou até mesmo incríveis historinhas infantis.
Daí, surgem misturas fantásticas para saciar a nossa fome de beleza e nos levar a um mundo encantado que só a nossa imaginação, unida à imaginação de quem escreve pode desvendar.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

DIGA SIM À VIDA!



"A defesa do nascituro inocente, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque é ali que está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige o amor de cada pessoa além de seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram, que estão lutando na pobreza, no abandono, no adiamento, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta nos doestes e idosos privados de atenção, as novas formas de escravidão, e em toda forma de exclusão". Papa Francisco - Gaudete et Exsultate.

Está no ar uma discussão muito séria e acalorada: a descriminalização ou não do aborto. Uma questão que é de saúde pública virou uma bandeira religiosa, uma verdadeira obsessão,  transformada em uma defesa fundamentalista, sem espaço para uma compreensão maior do contexto onde a maioria dos abortos são realizados e o grande número de óbitos por parte das mulheres que se submetem à interrupção da gravidez.

Recentemente ao colocar minha opinião em um chat, uma resposta me fez pensar no quanto as pessoas estão longe de entender as causas e consequências do aborto.

As Igrejas cristãs se arvoram de defensoras da vida, se unem contra a descriminalização do aborto, alegando estar defendendo a vida. Só que essas parcela das Igrejas vão às ruas com bandeiras, faixas e camisas sob a alegação de dizer sim à vida. Mas o meu questionamento sempre foi: ser contra descriminalização o aborto é a mesma coisa que defender a vida?


Eu não sou a favor de aborto. Nunca fiz e nem faria. Mas o que está sendo discutido hoje não tem nada a ver com fazer ou não fazer aborto. Tem a ver com penalizar ou não as mulheres que interrompem a gravidez, condenando-as sem procurar ouvir suas histórias, sem entender o seu contexto.

Quando a Igreja Católica leva multidões às ruas para dizer Sim à Vida, não deveria dizer sim á vida em toda a sua plenitude e não apenas à vida dos fetos?
Quando fazem protestos contra a legalização do aborto, não deveriam também fazer protestos contra à miséria, à pobreza, à fome, à educação precária e à falta de um lar?

Já imaginaram  que se a Igreja não proibisse os contraceptivos não haveria tantos abortos e tantas mulheres morrendo em consequência das condições precárias às quais recorrem para interromper uma gravidez que não têm nenhuma condição de continuar?

E se as pastorais que chegam até as comunidades conversassem com as mulheres sobre o uso de contraceptivos? Quem sabe até distribuíssem ou encaminhassem para os postos de saúde?

Crianças geradas em meio à miséria e à pobreza, já estão condenadas desde os primeiros minutos da concepção a não ter nenhum futuro. Podem até escapar do aborto, mas não sobreviverão à fome, à violência doméstica e das ruas ou às drogas.
Se a Igreja Católica quer realmente dizer sim à vida, primeiro acabe com a proibição dos contraceptivos, uma proibição tão sem sentido quanto querer que mulheres pobres, muitas vezes estupradas pelos próprios companheiros, evitem gravidez usando a tal da tabela. 

Conseguimos penar em algo do tipo a mulher está em seu casebre, chega o companheiro bêbado, querendo transar e daí ela olha na tabela e diz que não pode porque é dia fértil? Isso é surreal e insano. Entretanto se essa mulher tomasse pílula anticoncepcional, por exemplo, ela não engravidaria e não precisaria recorrer a um aborto clandestino porque não tem mais como ter mais um filho e vê-lo morrer de fome.

Vamos dizer Sim à Vida, exigindo o fim da exclusão e da injustiça social. Isso é que devia ser ilegal e punido. A fome é que é ilegal. Crianças nas ruas, sem escola, sem lazer. Isso é que é ilegal e imoral. Violência doméstica e abuso sexual em crianças, isso é que é crime.

E tem um detalhe: se acontecer a legalização do aborto, ninguém é obrigada a fazer só porque é permitido. A legalização do aborto vai garantir a quem quiser interromper a gravides condições de higiene e saúde, preservando assim a vida das mulheres.

Quando vejo essa defesa acalorada por parte de membros da Igreja contra a legalização do aborto, sob a alegação de que é crime, uma pergunta me vem à cabeça: queimar pessoas na fogueira pela inquisição não era crime? E a Igreja Católica condenava e queimava.

E a pena de morte em alguns países? Não é crime também? Ou porque é o Estado que mata deixa de ser crime?

Crime é o fato de que apenas algumas crianças terão futuro. Crime é se pagar fortunas em escolas particulares para umas crianças brincarem, enquanto um número enorme de crianças nem a escola pública frequentam. Crime é algumas crianças irem aos famosos parques no exterior mais de uma vez por ano e outras, morando em Recife nunca terem sequer visto o mar. Crime é umas crianças terem brinquedos que custam muitos mis reais e outras não terem sequer uma lata velha cheia de areia para puxar e fingirem que é um carrinho.

Ao expor meu pensamento no chat que falei lá em cima, uma pessoa disse que não havia a menor necessidade de descrever a minha aversão à Igreja.

Eu não tenho aversão à Igreja. Sou até conservadora quando o assunto é religião. Sou conservadora porque, como um amigo escreveu uma vez, sonho com a igreja dos primórdios, onde as comunidades celebravam nas casas, todos se conheciam, se respeitavam e se cuidavam. Não gosto é quando os membros da Igreja colocam a instituição acima do Evangelho, quando coloca as leis feitas pelos homens, como o Direito Canônico, acima do que está escrito no Evangelho, negando, muitas vezes, o apelo do Cristo.

Vamos então dizer Sim à Vida, mas à vida em abundância como falou o mestre a quem seguimos e que foi condenado à cruz exatamente porque exigia que os conceitos da igreja daquela época fossem revistos e que todos e todas fossem incluídos.

Da próxima vez que quiser dizer Sim à Vida, faça opção preferencial pelos pobres, entenda a realidade deles e lute para que a justiça social aconteça.
A minha Igreja é a Igreja de Jesus Cristo, de São Francisco de Assis, de Dom Helder e do papa Francisco. E a sua, qual é?

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