Para nós,
nordestinos, quando alguém fala “coxinha”, logo vem à cabeça (e ao paladar) o
delicioso salgado, feito de batata e galinha desfiada, às vezes com catupiri,
em sua versão “large”, que não pode faltar nas festas de aniversário,
principalmente se forem infantis. Menos nas festas mais sofisticadas. Porque
nessas, servir coxinha é “brega”. Mas, a palavra tem outro significado, que faz
mais sentido para os paulistas do que para nós, meros moradores de uma parte do
Brasil que o pessoal lá de baixo gostaria que não existisse.
“Coxinha” é uma
gíria paulistana que eles acham que se espalhou pelo Brasil, a partir dos anos
80. Surgiu para, pejorativamente, chamar os policiais de São Paulo que eram
visto, com frequência, comendo coxinhas em lanchonetes. Ou, mais depreciativamente
ainda, também faria referência aos policiais porque tinham baixo poder
aquisitivo e seu vale-refeição só dava mesmo pra comprar coxinha.
Posteriormente, a
gíria ganhou outra conotação, ainda em São Paulo, que definiria, mais ou menos,
o que por aqui chamamos de “Mauricinho” e Patricinha”. Mantendo, entretanto, o
seu caráter depreciativo. Em sua nova versão paulistana “Coxinha” passou a
designar as pessoas conservadoras, que se preocupavam em se comportar de
maneira a serem aceitas pela maioria. Por exemplo, houve uma época no Brasil,
não muito distante, em que ser politicamente correto era moda. Então, nessa época,
os coxinhas eram politicamente corretos, acreditem se quiserem. Alguém lembra
desse tempo? Eu lembro. Era um tempo mais respeitoso.
Ainda dentro dessa
definição paulistana para “Coxinha”, seria alguém com alto poder aquisitivo, usando
roupas de grife e assíduos frequentadores da “night” ou das baladas, se preferirem.
Nem sei algum dos dois termos ainda é atual. Extremamente preocupados com a
imagem, os “coxinhas” passam muito tempo na academia, para ficarem “sarados”
ou, “rasgados”, como eles falam entre si, passando, dessa forma, muito tempo na
academia... de ginástica.
Ah, não podemos
esquecer que há também algumas palavras ou neologismos que são parte do
vocabulário dos “coxinhas” paulistanos como por exemplo: "tenso",
"futebas" (significa futebol), "doleta" (para se referir ao
dólar), etc. Para definir que algo é legal, muito bom etc. os termos usados
são: "top", "topíssimo", "premium" e
"insano". O que talvez distinga os nossos “mauricinhos” e ”patricinhas”
nativos, dos “coxinhas” paulistanos seja o tempo que dedicam à cultura ... do
corpo.
A partir de junho de
2013, aí sim, a gíria se espalhou pelo
Brasil, com uma espécie de adendo ao significado paulistano anterior. Entretanto,
a partir de então, com certeza, uma característica já não faz mais parte de sua
definição: ser politicamente correto.
Então, de acordo com
o que pesquisei na internet (sim, me dei a esse trabalho), as características
de “coxinha” seriam : pessoa da elite financeira ( ou que pensa que faz parte
dela), política e moralmente conservadora, sempre preocupada com a aparência e
o status social, que defende os chamados “valores familiares” (questionáveis como
valores, pelo menos por mim), que não têm vergonha de serem racistas,
classistas e homofóbicos. Pessoas que
acham que chamar alguém de “gay” é xingamento e que não respeitam as religiões
de origem afro e também usam palavras como “macumbeiro” para xingar os que
fazem parte dessas religiões.
Odeiam Lula, Dilma,
PT, a esquerda em geral. Gritaram e bateram panelas contra a corrupção, mas agora
estão quietos e sequer ensaiam uma postagem nas redes sociais criticando o
atual governo e seus integrantes, mesmo que, a partir do presidente, boa parte
esteja sendo citada, indiciada, processada ou prestes a ser presa, se não
estivesse sobre a proteção das asas de norte a sul federais.
Adoram postar xingamentos,
piadas de mau gosto e depreciativas em relação à esquerda. Postam tudo que
falar mal do PT, sem se dar ao trabalho de conferir se é ou não verdade. E,
quando por acaso, constatam que é mentira, não estão nem aí pra isso. Afinal,
de acordo com a lógica “coxista” se não é verdade, poderia ser. Então deixa pra
lá. Postam ainda dicas de como matar uma pessoa em cirurgia e comemoram a morte
de qualquer um que esteja ligado à esquerda. Pare eles é como se essas pessoas
fossem personagens de um filme, de uma novela e não seres humanos, de carne e
osso, com sentimentos e uma vida de verdade.
O “coxinha” se
apropriou das cores verde e amarela e saiu às ruas gritando “quero o meu Brasil
de volta”. Eu, particularmente, fiquei muito triste com isso. Logo eu, que era
tão patriota, agora não consigo mais usar uma camisa amarela da seleção. Para
mim passou a significar tudo que mais abomino em um povo: alienação,
preconceito, falta de respeito e intolerância. Sim, porque outra característica
do “coxinha” é a intolerância, ampla,
geral e irrestrita.
Eles acham natural
piadas racistas, homofóbicas ou classistas. Acreditam que brincadeiras desse
tipo não são ofensas. As pessoas é que são sensíveis demais e se ofendem por
bobagens. Rir de piada ridicularizando as pessoas negras, homossexuais ou
pobres, é coisa natural, um direito de se divertirem. E quando se menciona que o direito de cada um
termina onde começa o direito do outro, dizem que quem se ofende é que deveria
respeitar o seu direito de falar o que pensa. Riem de vídeos que fazem piadas com
mortes, até mesmo de bebês, de piadas com estupros, preconceito racial ou
religioso, pessoas gordas ou magras demais, dos nerds, dos que são os mais
estudiosos da sala, enfim, riem e ridicularizam tudo que lhes incomode. E acham
super natural.
Estão confortáveis e
seguros agora, porque acreditam que os pobres, os negros, os homossexuais, os “petralhas”
a esquerda em geral, estão neutralizados, não são mais uma ameaça ao seu padrão
de vida. Sentem-se à vontade para não cumprir a Lei das Domésticas e sabem que,
com todas as PECs que o governo está aprovando, a população brasileira vai
ficar cada vez mais pobres e, com isso, mais dependente da elite financeira
para sobreviver. Dão as cartas e jogam de mão, como diz o velho ditado.
E, feito rastilho de
pólvora a intolerância a falta de respeito ao próximo e a intransigência, se
espalharam Brasil afora, contaminando até mesmo quem não faz parte dessa tal
elite financeira e que está sendo prejudicado por tudo o que acontece no país.
Alienados, anestesiados, os “coxinhas” da parte inferior da pirâmide financeira
aplaudem as reformas e medidas, que vão lhes tirando pouco a pouco, todos os
direitos conquistados a duras penas e, alguns, até se sentem orgulhosos de
serem chamados de “coxinhas”. É como certa vez me disse um amigo “têm bolso de
trabalhador da cana e cabeça de canavieiro”.
Só para constar para
ser, oficialmente, “coxinha”, não precisa se enquadrar em todos os itens que definem
o perfil. Ser da elite financeira, por exemplo, não tem sido uma condição
essencial para o enquadramento.
Apesar de muitos
terem experimentado a fatia do bolo que os governos do PT repartiram, sem usar
a velha de desculpa de “esperar o bolo crescer para fatiar”, hoje não lembram
mais do delicioso sabor daquela fatia do bolo. Apagaram da mente como foi possível
a ascensão social, o acesso às universidades e à casa própria.
E, muitos fazem isso
para serem aceitos e continuarem a fazer parte dos círculos de amizade. Porque outra
consequência muito cruel desse tempo é que as pessoas não estão mais
conseguindo interagir com quem pensa politicamente diferente delas. Amigos
deixaram de se ver regularmente ou ao menos de se falarem por telefone ou nas
mídias. Os “petralhas” não são mais
bem-vindos nas reuniões sociais de amigos, onde antes jamais deixariam de ser
convidados. Vivemos em uma nova Era. A Era do “quem não está comigo está contra
mim”, mesmo que o “não estar comigo” signifique apenas não concordar com as
novas posições políticas.
Ainda que extraoficialmente,
fui deixando de ser convidada, por alguns amigos, para encontros, almoços ou
jantares, comemorações, aniversários, sem alarde, silenciosamente, mas, com toda
certeza, por minha posição política, que faço questão de deixar muito clara. Mas,
por outro lado, ainda tenho grandes amigos que têm opiniões políticas diferentes
das minhas, mas que convivemos maravilhosamente bem. Até hoje, mesmo divergindo
na política, temos em comum algo essencial: respeito pela posição do outro. Comigo
esses amigos têm compartilhado as emoções, as comemorações, as festas, os
aniversários e os momentos dolorosos e sofridos. Seguimos com a nossa amizade,
por inteiro, como se houvesse um pacto sem palavras, onde, subliminarmente
estaria acordado que amizade vai continuar na concordância e na divergência.
Uma observação: ser de direita e ser coxinha não são sinônimos. Para ser coxinha, tem que ser de direita. Mas, para ser de direita, não tem que ser coxinha. Ainda bem.
Uma observação: ser de direita e ser coxinha não são sinônimos. Para ser coxinha, tem que ser de direita. Mas, para ser de direita, não tem que ser coxinha. Ainda bem.
Com tudo isso que vem
acontecendo no Brasil, com tristeza vi se perder em mim o orgulho de ser
brasileira, o amor por minha pátria, a emoção de cantar o hino nacional, o
respeito ao voto e a alegria de cantar, com Ivan Lins, “aqui é o meu País, Dos sonhos sem cabimento,
aqui sou um passarim, que as penas estão por dentro, por isso aprendi a cantar,
voar, voar, voar,me diz, me diz, como ser feliz em outro lugar”.
Hoje estou mais para cantar com Tim Maia “Não sei
por que você se foi, quantas saudades eu senti, e de tristezas vou viver, e
aquele adeus não pude dar, você marcou em minha vida, viveu, morreu na minha
história, chego a ter medo do futuro, e da solidão que em minha porta bate. E
eu, gostava tanto de você, gostava tanto de você. Eu corro, fujo desta sombra,
em sonho, vejo este passado, e na parede do meu quarto, Ainda está o seu
retrato. Não quero ver pra não lembrar, pensei até em me mudar, lugar qualquer
que não exista, o pensamento em você”.
Logo eu. Que gostava tanto tanto de você.
Excelente e emocionante post, parabéns.
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