O jornalista e escritor Zuenir Ventura escreveu e publicou, originalmente, em 1989 o livro "1968 - o Ano que Nunca Terminou.
O livro, muito bem escrito, com inigualável estilo jornalístico de Zuenir, do qual, confesso, sou grande fã, fala sobre os fatos que aconteceram naquele ano e que marcaram, para sempre, não apenas o Brasil, mas o mundo. Estudou o ano de 1968, para não apenas relatar fatos, mas também suas consequências para o tempo futuro. Em tom de narrativa Zuenir vai colocando os acontecimentos do referido ano, citando personagens importantes, obras e músicas que surgiram nesse período.
Por incrível que pareça ele cita, por exemplo, a atriz Claudia Cardinale, italiana e esquerdista reconhecida, assim como outras figuras igualmente emblemáticas, como César Benjamin "Cesinha", militante do Mr-8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro) e que participou da luta armada e Carlos Lamarca "O capitão da guerrilha", militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e do Mr-8 e que ficou nacionalmente conhecido após desertar de seu quartel em Quitaúna e juntar-se à guerrilha.
Claro que ele não podia deixar de fazer referência aos artistas que participaram do combate ao regime militar e que se tornaram nacionalmente famosos como Chico Buarque, Caetano Veloso e Geraldo Vandré ou ainda os ídolos internacionais como The Beatles e Rolling Stones.
O livro também traz de volta um período conturbado da história do Brasil, quando, mesmo com as proibições e repressão, se ergueram bandeiras em defesa da liberdade e da democracia. Como, por exemplo, o movimento estudantil que, espalhado pelo mundo, se tornou lendário por conta das manifestações contra o sistema, mostrando a determinação e a coragem dos jovens que iam às ruas, até mesmo para morrer se fosse preciso, para protestar contra o poder estabelecido, fosse de esquerda, fosse de direita.
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Passeata dos Cem Mil - Rio de Janeiro - 26 de junho de 1968 |
No Brasil os jovens protestavam contra as forças da ditadura que mataram Edson Luis, em março de 1968, um estudante do segundo grau.
Na Checoslováquia os jovens gritavam contra os tanques soviéticos que esmagaram, em agosto, a Primavera Democrática.
O ano que nunca terminou teve seu ápice, negativo, diga-se de passagem, em 13 de dezembro, com a promulgação do Ato Institucional nº 5, o AI5, durante o governo do general Costa e Silva. O AI5 foi a expressão mais fiel da ditadura militar brasileira: injusto e arbitrário iniciou o período mais sangrento da ditadura, com prisões, tortura, desaparecimentos e mortes a perder de vista. Vigorou até dezembro de 1978 e suas ações arbitrárias têm efeito até os dias de hoje.
O lançamento do livro, em 1989, coincidiu com dois fatos históricos: a queda do muro de Berlim e a primeira eleição presidencial no Brasil desde a instalação da ditadura, ambas em novembro.
Seis décadas depois do famigerado AI5, depois de quase quatro décadas da abstinência em votar para presidente, de quase três décadas depois do lançamento do livro, da primeira e desastrosa eleição direta e do anúncio do fim do comunismo, quando finalmente achávamos que 1968 teria terminado, seus fantasmas resolvem nos assombrar, ressuscitando os pavores antigos que julgávamos mortos e esquecidos.
Velhos e infundados medos do comunismo se instaurar no Brasil estão povoando o imaginário das pessoas desinformadas, que ainda não se deram conta que não existe mais essa ameaça, que ela acabou faz tanto tempo que virou mesmo foi "vintage" supostamente xingar as pessoas de esquerda de comunista. Digo supostamente porque comunista não é xingamento. Achar que xinga alguém chamando de comunista é tão ingênuo e sem sentido quanto achar que o PT inventou a corrupção.
Patrulhamento ideológico, perseguição a quem pensa diferente, intolerância religiosa, homofobia, misoginia, racismo, preconceito de classe e um medo infundado do comunismo, são alguns desses espectros do mal que estão pairando sob nós e se infiltrando em muitas cabeças, algumas das quais jamais imaginaríamos que se deixariam levar por toda essa infecção de ódio que vem se espalhando como um vírus oportunista, que enfraquece o corpo e também a mente.
Um momento era 2018 e, no final do dia, era 1968 outra vez. Estamos andando para trás, em meio a uma corrente de água turbulenta, escura e traiçoeira, que quer nos dragar com seus braços molhados e perniciosos.
Nessa enxurrada de informações falsas, mentiras tão absurdas que me causa espécie imaginar que tem quem acredite nelas e toda essa onde violência e intolerância, voltou também o fantasma do medo. Não esse medo ridículo de que Lula vai transformar o Brasil em uma Venezuela ou ditadura comunista. Até porque nem o direito de se candidatar ele teve. E, ao contrário do que muitos gostariam que fosse, Haddad não é um poste que reflete luz. Ele tem luz própria e vai brilhar na presidência do Brasil.
Voltou o medo de perder a liberdade, da democracia ser aprisionada em um calabouço ainda mais profundo que em 1964. O medo de ver o Brasil virar novamente uma ditadura, onde nem pensar seja permitido. Medo de não poder falar abertamente sobre política, por exemplo. Medo do saldo negativo que essas eleições irão deixar em nossas vidas. Qualquer que seja o resultado, já há tanto estrago, que mesmo que a democracia prevaleça, o terror que vem se espalhando no Brasil entre LGBTs, negros, índios, pobres, portadores de deficiência e mulheres que têm consciência de sua posição no mundo, já vai ter deixado um rastro de dor, sangue e morte, que não dá para ser esquecido.
Odiar o PT ou odiar ainda mais Lula não é motivo para ajudar a matar a democracia. Não é motivo para por em perigo a vida dos LGBTs e de outras minorias. O ódio nunca foi e nunca será motivo para fazer nada de bom. O ódio que o nazismo provocou nas pessoas resultou no assassinato de seis milhões de judeus, negros, homossexuais.
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Campo de Concentração nazista |
Pelas barbaridades que temos visto ainda antes do resultado da eleição, o saldo de assassinatos no Brasil será bem maior, quando a população se armar, achando que assim, estará protegido contra a violência.
Uma coisa temos que ter bem clara em nossa cabeça: sem justiça social não há paz. Enquanto o fosso salarial for das dimensões que é hoje, enquanto houver racismo, preconceito e discriminação de cor, de classe e de gênero, enquanto não houver uma vida digna para todos e todas, a violência continuará a crescer, fomentada pela desigualdade e pelas armas que a população vai comprar e que irá cair nas mãos do crime organizado.
Nunca o destino de toda uma nação esteve tão perigosamente nas mãos dessa própria nação. Cabe a cada um escolher seu candidato e, consequentemente, o seu futuro e o futuro do país. Depende só de cada um de nós se, depois do dia 28, continuaremos ou não a ter um futuro.
Depende de cada um de nós se, no dia 31 de dezembro, finalmente, 1968 acabará e, com ele levará 2018 ou dois se juntarão e continuarão a nos assombrar até que surja, em meio as trevas, uma nova esperança.
Como Freeda Kahlo" não quero que ninguém pense como eu. Quero que apenas pense".